terça-feira, novembro 01, 2005

Eros

" Na qualidade de filho de Poros e Pénia, Eros herdou caracteres de ambas as partes. Em primeiro lugar é pobre, e, longe de delicado e belo, é rude,sujo, anda descalço, sem eira nem beira. Não tem outro leito além do chão, dorme ao ar livre, desagasalhado, junto às portas e nas ruas. Assim imita a indigência de sua mãe, indigência que é sua eterna companheira. Por outro lado, herdando a natureza do pai, vive à procura do belo e do bom; é bravo, audaz, ardente,filósofo, bom caçador; (...) Por natureza não é mortal nem imortal mas, num só dia, tão depressa se encontra pleno de vigor e belo, vivendo na abundância, como tão depressa morre, pois renasce por causa do dom natural que herdou da linha paterna. O que adquire escapase-lhe sem cessar, de maneira que nunca se encontra, nem na pobreza, nem na opulência."
Platão, Simpósio
Eros, o amor, surge assim aos olhos dos antigos como aquele que está a meio caminho, entre a riqueza e a pobreza, entre os deuses e os homens, pois se trata de um demónio, sempre à beira de ser nunca chega a ser e a sua imagem é de movimento constante. Move-se rapidamente numa procura que é a sua própria natureza, este Eros não pode deixar de nos parecer a face do desejo. O amor desejo. Mas se podemos acentuar a parte da carência de eros, como que entusiasmados pela ideia ,sempre ilusória do todo, absoluto, para o qual ele parece mover-se, e sempre frustrado de não o conseguir, não nos devemos esquecer que Platão reforça a mobilidade como força e não ausência dela, como condição possível e única de ultrapassar os limites. O que Eros dá aos mortais, com as suas setas velozes e frágeis parece-se mais com uma certa consciência da alternativa, uma certa liberdade de fugir à ignorância e de querer. Por isso se move sempre para o belo e para o bem. Resta saber se aquele que possui o seu encantamento saberá discernir, conta Platão que só pode...saber.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

7:13 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger  said...

Gostei. Pouco mais sou capaz de dizer...simplesmente que gostei muito.

10:09 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger SalsolaKali said...

…aquele que se mantêm em equilíbrio desequilíbrio, entre o peito cheio e o vazio, entre o divino e o terreno, em mutação constante… tão depressa padece como ressurge, porque essa é a sua natureza.
...e a de procurar ser, e ser absoluto.
Talvez por isso não se saiba, se adivinhe apenas o que é, e o que é ser-se absoluto, o desejo de ser completo...
:)
BJ GR
SK

12:56 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Projectar o discernimento "para o belo e para o bem" nem será o mais difícil. Conseguir de facto, o equilíbrio mental para atingir tais "fins", isso sim. Dá-nos água pela barba (a quem a tem, claro...).
Um exemplo interessante da teoria e da prática.

11:23 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Pé: Ainda bem que gostaste, Eros agradece.

Salso: O desejo de ser completo, é esse o móbil de Eros, com recaídas, com recomeços.Trata-se de uma força e também de uma clarividência pois que a força e a clarividência devem andar de mãos dadas. Mas isso é o plano das ideias, na prática tudo se complica quando há dor e angústia, tudo se contamina e perde a sua nitidez.

Legível: Pois é...não diria água pela barba...(de onde veio o raio dessa expressão?? talvez de alguém que esteve prestes a afogar-se...quando a água chega à barba o melhor é suster a respiração!) mas sim, parece que a maior parte das vezes só tentamos desenrascar e os ideais ficam assim para depois...

10:58 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Deixei-te mais um comment no "A Arte e a Política".

12:02 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Geosapiens said...

...óptimo post...amiga...um beijo...

9:26 da tarde <$BlogCommentDelete>

Enviar um comentário

<< Home