domingo, novembro 20, 2005

Neste tempo de chuva dá-me para ler,este romance Sputnik meu amor do japonês Haruki Muraki (estes nomes!!) lê-se bem, tem aquela atmosfera clara que só os orientais dão, uma espécie de aceitação do que é, com crueza sem conflitos interiores indissolúveis.
" O que aconteceu é que ao conhecer Miu deixei de pensar e ao seu lado deixava-me transportar para longe-para um lugar cuja existência me era totalmente estranha - e limitava-me a pensar: tudo bem, deixa-te ir com a maré.
Por outras palavras, para seguir Miu tive de me libertar ao máximo da bagagem.Até o próprio acto de pensar se tornou um fardo demasiado pesado."
Interrogo-me sobre estas frases. Esta paixão que temos pelo indivíduo aqui desvanece-se, como se o indivíduo fosse um Sputnik, o que resta de, o resto. Por amor mudamos e moldamo-nos de forma indelével ao que o outro quer e deseja. A questão coloca-se aí. Até onde podemos ir. Quais são os nossos limites. A mensagem é que o amor não é coisa de ego mas do seu desaparecimento, nesse contexto o indivíduo só volta a ser quando de algum modo o amor se torna impossível e quando volta a ser é a ausência que o define.Mas apesar de poder desaparecer o ego com toda a sua bagagem, a verdade é que há qualquer coisa no indivíduo que marca a sua solidão irremediável e isso tem a ver com a experiência e com o corpo. Neste caso, há um corpo que resiste e outro que deseja, são os factos, por mais que se queira, a vontade nada altera desse facto , por mais que sejamos no outro e pelo outro, há uma necessidade física e é essa que marca o início e o fim, essa marca restitui ao amor os seus limites e atira-nos para a experiência individual sem remédio.

13 Comments:

Blogger  said...

Quando nos misturamos com o outro é a altura em que damos uma espécie de passo em frente, mas não acho que o nosso pensamento fique sempre resgatado...até o amor acabar.
Temos que resistir a nós próprios e à paixão, que apesar de ser muito saborosa, é também uma fonte de preocupações.

1:55 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger JPD said...

Não li nada deste Muraki. Porém lembro-me do impacto que o Mil Folhas, p.ex, atribuiu à obra deste autor japonês. Não fosse á enorme lista d prioridades e de calhar correria a comprar este Sputnik. Veremos.
Quanto às paixões, aos amores, ao prescindir dos traços mais veementes do nosso carácter para que a grande paixão se cumpra...Tanto quanto conheço dos romances mais famosos desde os escritos no Sec.XIX, tem sido assim, continuará a sê-lo mesmo que a agora se defenda que uma relação vale enquanto dura

6:53 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger JPD said...

Alguma vez deixou de ser assim?
(Desculpa, mas sem querer deixei o comentário a meio)
Fica bem

6:54 da tarde <$BlogCommentDelete>
Anonymous Anónimo said...

jpd: Obrigada pela visita. Os grandes romances traduzem o estado de paixão como estar fora de si que já de si é uma espécie de transformação ou mesmo de renúncia ao ego, mas este estar fora de si tinha quase sempre resultados nefastos,daí talvez a ideia de amor, mais calma, mais dentro do status.

8:58 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Pé: Acho que tens razão quando falas no passo em frente, quanto a resistir à paixão, parece que é irresistível...

9:00 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger I said...

Nós mudamos por tudo o que nos vai acontecendo e,claro, também por amor.Quando nos acontece amar, mudamos.Acrescentamos algo ao que ja eramos, deixamos de ser assim para passarmos a ser de outra maneira.Passamos a pensar de outra maneira acerca de algumas coisas.
Quando uma relação amorosa termina, também mudamos.Mudamos sempre com tudo o que nos acontece.

Mas o que nunca podemos deixar que aconteça é o que escreves no teu texto e passo a citar: "Por amor mudamos e moldamo-nos de forma indelével ao que o outro quer e deseja.".Nunca...não podemos cair nessa armadilha de mudarmos para sermos conforme os desejos de alguém que amamos. Ninguém nos ama se nos fizermos isso. Ninguém que nos ame nos obriga a isso. O Amor não é isso , de forma alguma. Não podemos moldar-nos segundo os caprichos de outra pessoa, seja ela quem for. Têem que gostar de nós como nós somos, senão não nos interessam. Não podemos , nunca, amar quem não gosta de nós.

Quando uma relaçãop termina confundimos , muitas vezes, duas coisas: amor com dor pela rejeição ou, quando a decisão de terminar é nossa, vazio causado pela ausência daquilo a que estavamos habituados. Mas a dor causada pela rejeição não é amor... pode ser insuportável, angustiar-nos, absorver-nos...mas não é amor.Por isso é tão fundamental nós aprendermos a não gostar de quem não nos ama. E aprende-se. Consegue-se. A fórmula é gostarmos muito de nós mesmos e investirmos muito em nós.

10:59 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

O "modo de estar" oriental, não é de forma nenhuma a do ocidental. Neste, o corpo é a razão quase última da vida, do amor e da paixão (exceptuando a religiosidade que cada vez mais, é posta em causa...).

No oriental, para lá do próprio corpo há um lugar que não se define (logo, não tem a ver com qualquer tipo de religião) mas que é onde a mente não existe e se liberta para o amor pleno.

Tema de grande discussão e polemizante. O da "cultura" japonesa que as suas indústrias tecnológicas ainda não destruiram...

12:42 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger SalsolaKali said...

Ui. Por que areias movediças te vais movendo manhã… Não conheço a história.
…agora que penso nisso, chego à conclusão que me moldei, em todas as vezes. Mas há um limite, que somos nós. Quando amamos nunca chegamos a ser apenas nós. Nem um nem outro são eles próprios, mas um terceiro estado de ser… deve ser por isso que nos sentimos tão fora da nossa pele quando o amor chega ao fim e nós ainda somos esse terceiro estado… enquanto que o outro já regressou a si há algum tempo… deve ser por isso o sentimento de ausência e de desorientação.
BJ GR
SK

12:58 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Rui Miguel Ferreira said...

Olá manhã.

Obrigado pela tua visita ao Rupturas.

O amor é alguma coisa que parece não sabermos bem o que é... Nessa ignorância damos-lhe o benefício da dúvida. Entregamo-nos - e isso até que é bom, pior é quando deixamos de ser o que somos porque temos de ser outra coisa qualquer que não entendemos, mas que temos necessidade que seja. Mas, aí talvez não seja amor. Talvez seja outra coisa qualquer, talvez seja alienação, não sei bem. O amor será a integração no outro e do outro em nós de forma pacífica, natural. Será a descoberta de nós e do outro... tanta coisa..

Ciao

Bj

Rui

2:41 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

I&c : O post pretendia ser sobre o livro e não sobre o amor em geral mas porque não? O assunto é demasiado vasto, demasiado vago, demasiado contraditório para poder ser falado assim com razões 'tout court'.De um modo geral tens razão, parece-me bem.Se dissesse exactamente o contrário também...assunto portanto difícil mas essa visão sobretudo no que toca à confusão entre amor e rejeição é verdade mas nada é puro, nós somos uma misturada de coisas vá-se lá a saber onde começa uma e acaba outra? Obrigada pela visita.


Legível: Se bem compreendi, se é que compreendi pretendes dizer que os ocidentais têm o corpo, tudo começa e acaba nele e que os orientais têm uma espécie de lugar fora do corpo, uma espiritualidade que o amor liberta.
Não sei se é assim, o que sei é que estar sem pensar é para eles uma libertação e para nós uma alienação. Também, no caso do romance em causa, constatei que essa espiritualidade esbarra, ou seja desaparece quando o corpo deseja e regride, se do outro lado há recusa, de modo que o indivíduo volta a si, agora alienado como que frustrado no seu propósito e aí instala-se a situação de sputnik, órbitas e mais órbitas sem ponto de referência. Desculpa se não fui clara, são as ideias que consigo alinhar a propósito do teu comentário que me atiçou a curiosidade.

Salso: Um e outro e ainda um terceiro?? Não é gente a mais???eheheh
Sim trata-se dos limites, até onde vamos naquela abnegação que no caso do romance é um encontro com o outro , no encontro com o outro a personagem perde-se de si, porque não o pode deixar de fazer, é a própria dinâmica do que sente que a obriga. Se há limites? Parece-me que o limite é o corpo, o encontro com o outro tem necessariamente de passar pelo corpo e é aí que tudo se complica.

Rui m s Ferreira: claro! Mas essa forma natural será mesmo natural? É que quando falamos de natureza estamos a falar de quê? Que não exige esforço, que não exige de nós? Que acontece como beber um copo de água quando se tem sede? Se é assim discordo do carácter natural do amor.Obrigada pela visita.

8:15 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Foste bastante clara, pois pretendi ir precisamente por aí. Culturas diferentes, formas de "se dar ao outro" desiguais... o "desprendimento sobre o corpo". Veja-se o caso dos Kamikaze, embora num contexto pontual (a guerra) e longe no tempo.
Pelos vistos tenho de ler o livro. Também me aguçaste a curiosidade...
tão matinalmente.

8:39 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger SalsolaKali said...

Bem... não ponhas essa mentezinha a trabalhar para esse lado... tu não descambes.
:)
O terceiro elemento não é ele próprio, não tem vida própria. Portanto não te ponha aí a pensar em coisas a três… ;)

Será que o corpo é o limite? Será que quando se encontra o corpo do outro tudo se complica? Complica porquê?
…que bela maneira de começar o dia… LOL
Beijo SK

9:19 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Legível: Engraçado o cerco a essa coisa chamada alma, como a estratégia do cerco não resulta opta-se por libertar, tirar a trela, encontrá-la quando se perde a vida.

Salso: O corpo complica, pois o corpo tem leis muito próprias que não se pode ignorar.

10:23 da tarde <$BlogCommentDelete>

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