sábado, maio 19, 2007

O crime do padre

Assim descreve Eça as cogitações de Amaro, o pároco de Leiria:

" Então, passeando excitado pelo quarto, levava as suas acusações mais longe, contra o Celibato e a Igreja: porque proíbia ela aos seus sacerdotes, homens vivendo entre homens, a satisfação mais natural, que até têm os animais? Quem imagina que desde que um velho bispo diz "serás casto" a um homem novo e forte, o seu sangue vai subitamente esfriar-se? E que uma palavra latina -accedo - dita a tremer pelo seminarista assustado, será o bastante para conter a rebelião formidável do corpo? E quem inventou isso? Um concílio de bispos decrépitos, vindos do fundo dos seus claustros, da paz das suas escolas, mirrados como pergaminhos, inúteis como eunucos! Que sabiam eles da natureza das suas tentações? Que viessem ali duas, três horas para o pé da Ameliazinha, e veriam, sob a sua capa de santidade, começar a revoltar-se-lhes o desejo! Tudo se ilude e se evita, menos o amor! (...)
A carne! Punha-se então a pensar nos três inimigos da alma - MUNDO, DIABO e CARNE. E apareciam à sua imaginação em três figuras vivas: uma mulher muito formosa; uma figura negra de olho de brasa e pé de cabra; e o mundo, coisa vaga e maravilhosa (riquezas, cavalos, palacetes) - de que lhe parecia uma personificação suficiente o Sr Conde de Ribamar! Mas que mal tinham eles feito à sua alma? O Diabo nunca o vira; a mulher formosa amava-o e era a única consolação da sua existência; e do mundo, do Sr Conde, só recebera protecção, benevolência, tocantes apertos de mão...E como poderia evitar ele evitar as influências da Carne e do Mundo? A não ser que fugisse, como os santos de outrora, para os areais do deserto e para a companhia das feras! "
O crime do Padre Amaro, Capítulo IX
1ªa edição em 1875, segunda 1876 e edição definitiva sancionada pelo Eça em 1880
Bem seria que não fosse pároco! por causa da reza, da batina, da confissão, do cónego e da covardia acaba por dar morte lenta à "amada" em prol do bom uso e dos costumes, que ficam sempre bem e não saem muito caro!Abram alas ao Eça! please!

12 Comments:

Blogger Mónica said...

uma questão de caracter a batina é para disfarçar

10:30 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger o alquimista said...

Tenho o livro, sabias que o mesmo chegou a ser probido há muitos anos atrás em Portugal?


Os teus pés são navegantes na espuma, o teu cabelo dança em descuidada ironia, suave viagem de ondulante onda em tua boca, duas sílabas sopradas em mágica melodia…

Bom domingo

Doce beijo

11:18 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Frioleiras said...

gostei...

9:14 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

mo: exacto, uma questão de carácter ao qual a batina acrescenta uma dose suplementar de hipocrisia. pois que os padres pregam! (aqui em sentido literal, pregos pro caixão)

O alquimista:não é de admirar! há que manter o status!
Brigada pelo poema!Bjo

frioleiras: Bem vindo/a!

9:39 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Bandida said...

consegui "roubar" o livro ao meu pai era ainda muito nova, 12 anos talvez, e lia à noite às escondidas no meu quarto. maravilha das maravilhas. grandes descobertas.

abro alas ao Eça, pois claro!

beijo

10:27 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger D. Maria e o Coelhinho said...

O Diabo parece andar também por aqui.
E, evitar a Carne, nas actuais circunstâncias, já não me parece tão difícil.


Coelhinho

12:42 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger D. Maria e o Coelhinho said...

Calcula que, agora,
o Coelhinho tem medo de dormir comigo !!!!
Não vens dar a tua opinião?

ABracinho


D. MARIA

1:47 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger kermit said...

Eu não sei se o que motivou o Eça a escrever este romance fantástico, foi a possibilidade de criticar um certo clero da altura. Mas a obra, é de uma sensualidade avassaladora. E disso se aproveitaram realizadores que, uns com mais outros com menos qualidade, levaram à tela o enredo.

12:36 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Art&Tal said...

foram varios os crimes

pergunta ao filho dele que lhe "arranjou" a obra.

ler carlos reis

ediçoes criticas

6:35 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

bandida: também o li há muitos anos e fiquei com um certo mal estar, nessa altura gostava de romances que acabassem bem!Ainda gosto! Voltei a lê-lo e a descobrir novas relíquias, a adjectivação por exemplo e a riqueza dos substantivos. Valeu-me o dicionário!

d. maria e o coelhinho: deve ser o Diabo. Só pode e se não for parece-se muito! Desculpa, mas essa do coelhinho nã percebo mesmo nada mas dou-te um conselho, tenta outro animal, a fama dos coelhinhos vai pelas ruas da amargura e... poupo os pormenores!

kermit: não é que não vi nenhuma das versões e houve várias! sim, o clero que de espiritual só tinha mesmo o dever, e esqueceu com tanta tentação, não era pra menos!

art e tal: sim ouvi uma versão dessa história que o filho lhe escrevia os romances, ou os reescrevia...nenhum deles tá cá para dar prova...

1:00 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

... Eça sabia da poda.* Este naco de carn... perdão, de prosa, prova-o à sociedade (ou saciedade**?!)


* Sem qualquer conotação malévola ou jogo de palavras pérfidas em que o anedotário luso é fértil.

**Este é um daqueles posts em que a musa não me quis dar uma mãozinha para comentar com a elegância e a verve que me são peculiares (se não fôr eu a dar-me publicidade, quem o fará?)...

3:23 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

legível: eu também posso dar-te uma mãozinha no elogio da musa!Pródiga a musa, irónica, com uma pontinha de virulência (leia-se prima da prudência!)

11:54 da tarde <$BlogCommentDelete>

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