segunda-feira, maio 05, 2008

Autoridade: a toponímia milagreira


Crise académica em Coimbra Abril de 1969, mais imagens aqui



A propósito do Maio de 68 e porque estamos em Maio de 2008, quarenta anos depois.

Maio de 68 não foi uma manifestação ideológica mas a reivindicação de uma utopia, a luta por um lugar que não existe mas cuja ideia nos faz sonhar, um lugar de liberdade onde a discriminação e a autoridade eram simplesmente abolidas. O que de forma tácita era aceite como ordem passou a ser hipocrisia, era necessária outra ordem, fundada numa autenticidade, numa simpatia e não numa institucionalidade, não no status, o oco do que se perpetua por uma espécie de inércia, eram precisos beijos para calar os gritos e se não os beijos eram as chamas que aqui e ali sinalizavam a destruição da propriedade burguesa e estratificada, a força irrompia dos indivíduos em grupo sim, mas o que é curioso no Maio de 68 é que são alguns rostos anónimos que ganham o protagonismo, não os partidos, não as ideologias, era a discussão dos géneros, da sexualidade, da autoridade, dos papéis sociais de cada indivíduo, o direito do anónimo à palavra, hoje são temas incontornáveis na vida política, e se não são, deviam ser.


O maio de 68 não foi bem uma revolução, mas uma evasão, uma evasão que ultrapassou fronteiras, um espírito libertário a derramar-se como vírus, não um poder, mas uma força de contaminação afectando todos os sectores da vida pública, do modo de fazer política à vida privada e às relações entre homens e mulheres. Assumir a liberdade possibilitou o desvio da norma e esta não mais voltou a ser o que era. Contaminação. Contaminação lenta mas eficaz , só assim se pode mudar a ordem social e as mentalidades. Em Coimbra, Abril de 69, a sequela portuguesa.Salazar iria cair da cadeira pouco tempo depois, cinco anos depois caíam todos da cadeira .
Quando hoje falamos de crise da Autoridade, estamos a falar de quê? Queremos uma toponímia milagreira que reponha a ordem no caos da educação, da polícia, do estado, a questão é que essa autoridade já não tem a força nem a convicção institucional, essa acabou e penso que só voltará se cada um dos indivíduos a quiser, não para si, mas para todos, e não como indiscutível mas como qualquer coisa que nasce da necessidade e do respeito , não da ordem pré-estabelecida pela estratificação social, essa estratificação também já não existe.

8 Comments:

Blogger Ana Paula Sena said...

Quarenta anos depois... temos que reconhecer que aqueles ventos de mudança agitaram tudo e deles algo irreversível ficou no nosso tempo de hoje. Mudanças como as que bem assinalaste tornaram impossível que o tempo volte para trás.

Bjs

10:44 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

... mais do que perseguir a utopia, anunciar que estamos vivos e temos opinião. Porque a autoridade (as milhentas formas de autoridade) existem (ou são regulamentadas) à imagem que se pretende real, de uma sociedade que não faça ondas. Ontem, como hoje e...

(Ó Legível! tu hoje acordaste com um espírito revolucionário que não é brinquedo! Vá, vai lá beber um café a ver se te acalmas... )

11:16 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Gi said...

Vivi-o pelas histórias contadas pelos amigos mais velhos, pelo que li. Dizem que na história tudo se repete quando o caos começa a ganhar terreno e o prato da balança desnivela em termos de autoridade, de justiça há sempre do outro lado alguém que se levanta, que se revolta, que denuncia, que se faz ouvir .Pode não ser um maio de 68 , a frase "proibido proibir" já não se ouvirá mas haverá sempre quem lute.
Quem faça outros pequenos maios para que o direito, o respeito, pelo menos pelos outros prevaleça

Um beijo

10:46 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Manuel Veiga said...

"O maio de 68 não foi bem uma revolução, mas uma evasão..."

a revolução faz-se todos os dias. não há mais "palácios de inverno"...

gostei de (re)viver. aqui

11:56 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Martini said...

Lá vou eu falar em termos geracionais :)
Acho que sempre sentimos que o Maio de 68 foi importante para os pais e os avós e herdamos essa herança da importância de um acontecimento.
Já nós não temos grandes referências do que diz respeito a esses acontecimentos marcantes que mudaram a visão de muitos. Talvez um dia.

11:36 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger un dress said...

´regardez vous vous êtes tristes´

inscrição mural, paris, maio de 68

... bem, porque será que me lembrei disto?...!!

8:34 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger ~pi said...

logo agora que andamos tão contentes ~

exquis...

8:36 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

ana paula: e ainda bem que o tempo não volta para trás, tem de ir é para a frente, estas utopias um dia têm de fazer sentido prático, serem verdadeiramente actuantes.Bjos

legivel: eheheh, espero que o café não tenha sortido qualquer efeito, que não percas esse espírito...o espírito quando se tem não se perde facilmente...

gi: ainda bem que há quem ousa lutar quando a injustiça bate à porta, mas parece-me que a opinião pública não está muito receptiva, possivelmente nunca esteve, daí que seja um risco a luta, mas um risco necessário que sem ela nada muda, também não vivi, mas li muitos autores "saídos" do Maio de 68 e que o pensaram,continuam a representar uma certa rebeldia da qual tenho uma certa nostalgia, confesso.bjos

herético:não há tabus queres dizer, não há nada intocável, mas esta ideologia em que somos actores sem querer acaba por encontrar mecanismos de perpetuação, esse parece ser um deles.gostei da expressão "palácios de inverno".

martini: desde que os teus avós te contem, ou um tio, ou um amigo, ou um filme,Camus ou Sartre ou Beauvoir ou Foucault também têm qualquer coisa a dizer sobre isso, e, sabes, eu também não vivi este período mas cresci no eco dele.

un dress: essa não conhecia e é fantástica! estranhamente poética!

~pi: ehehe é mesmo, a frase adequa-se na perfeição, até os cães por aqui andam tristes...

10:35 da tarde <$BlogCommentDelete>

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