domingo, novembro 27, 2005

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" Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar"

Mário Cesariny

11 Comments:

Blogger I said...

Este é um dos meus poemas preferidos. É belissimo e é dos primeiros que tenho em asas. É lindo, lindo..

12:23 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger SalsolaKali said...

E mesmo que não queiramos hão-de haver sempre palavras, mudas e surdas, indizíveis, palavras aprisionadas em betão, laceradas, caladas à força, ou não...
palavras que aguardam na terra pela semente, e o florir...
Tanto para dizer das palavras e tamanha incerteza...
Lindíssimo e complexo, este.
Bom dia
BJ SK

12:37 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

...entre nós e as palavras, os emparedados
os que da palavra são escravos,
os que a palavra temem ou atraiçoam,
os que uma singela palavra imploram,
os que por uma palavra, ferem e amam ,
os que por uma palavra, riem e choram...

4:48 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

i&c: Concordo.

Salso: E até nem dá para dizer mais nada porque este aqui é daqueles que nos deixa sem fala.

Legível: Pois atraiçoamos...às vezes sabendo outras nem por isso.

6:38 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger SalsolaKali said...

Sem fôlego, sem espaço para dizer o que quer que seja...
...tão distantes estas palavras, tão antigas, e no entanto, um sentido perfeitamente contemporâneo, presente, real… ou um fantasma…
Ou talvez seja isto aquilo a que tb chamamos génio...
Gostei imenso deste poema, de tal modo que, de facto, me faz voltar a ele, repetidamente. Até parece que nos sova…
Beijo. SK

12:58 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

Estou cá, mas não consigo acrescentar mais nada ao que foi dito. Mais palavras podem estragar...

1:47 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger  said...

Era o tal poema de que tinhas falado ha tempos.
É tão bonito! Não consigo dizer mais...
É bonito. Mesmo.

5:35 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Salso: Volta, podes voltar as vezes que quiseres ele cá está, quem o fez também e, no entanto ,todos os dias levantam voo!

macaso:Mas precisamos delas, de mais palavras.

Pé: Sim, é o tal!

7:14 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Lagoa_Azul said...

Palavras surdas que calam,
Palavras que são os dados da sorte,
Palavras nuas que gritam,
Mesmo no leito da morte.

Beijos...

8:47 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Lagoa azul: Essa da morte é forte mas rima e, portanto, bamos lá que a vida sem rima não rima...!?

9:05 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Lagoa_Azul said...

Manhã era só para a rima :)

Beijos

9:17 da tarde <$BlogCommentDelete>

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