quinta-feira, dezembro 15, 2005

Candido Portinari, S.Paulo, 1903/1962
Fala das vísceras 2 - ANGÚSTIA
Exercício 1: acordar e de imediato controlar a arritmia. okey. estou viva.
E hoje é hoje. Cigarro, leite, dores no corpo que serpenteiam pela cama,
Dificuldade em respirar, melhor agora,depois do cigarro.
Não entrar em pânico. acordar não é uma guerra, acordar não é um acto de guerra,
Mas sente-se um enorme frio interior que depois se pode intelectualizar na angústia,
uma quebra da espinha tal como se estivesse bêbada e não me aguentasse em pé.
Vómitos e o duche a correr. Tanto faz se bebi ou não, se comi mal ou não, é sempre
assim: um parto de mim própria que cria logo de mim a mim uma enorme desconfiança,
quer dizer: não se pode contar com ela porque imensas vezes vira-se para o outro lado,
vai à casa de banho vomitar, telefona a cancelar tudo com voz de secretária
aplicada, quando tem forças para ainda falar ao telefone e então fica-se ali, morta, pelo
menos 20 a 24 h de seguida. Não faço a menor ideia se fez sol ou não, em que dia
estamos, em que mês de que ano, qual é o meu nome? Okey, hoje não dá.
-fim-
Cristiana Veiga Simão, Intermitência XXIII
(a uma colega que desapareceu precocemente)

5 Comments:

Blogger SalsolaKali said...

...quando a vida é meramente um exercicio de dor...

Não gosto! E pronto!
Não gosto do "desaparecimento"...
É algo que me revolta, profundamente, de raiva... e portanto não consigo articular palavras... calo.
...ainda para mais assim, cedo.

Mas partilho e sustento...
Abraço grande, grande...
Grande.
Beijo
SK

10:41 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

Há dias assim. Mas nem todos. O problema não está na realidade objectiva das coisas, se é que isso existe. Está no significado que damos ao que vai acontecendo... as coisas que damos importância porque activam os nossos esquemas de pensamento, por vezes aqueles que dizem que sim, que a vida é só um exercício de dor...

Se o abraço reconfortar, deixo-te um abraço quente, ou um beijo sentido.

12:12 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Rui said...

E hoje é hoje.

1:44 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

salso: Este desaparecimento já foi há dois anos mas, não sei porquê lembrei-me deste texto sobre a angústia, é um texto sufocante por aquilo que tem de vivido, de não literário.Obrigada.

macaso:Obrigada.Claro que o pensamento é que faz e desfaz conduzindo-nos pela mão ou deixando-nos perdidos à beira da estrada, neste caso. Outros há em que há mesmo circunstãncias objectivas que provocam esta espécie de derrocada.

rui: Bem vindo. É.hoje.

guidite: o post é sobre a angústia,desculpa se te impressionei.

5:15 da tarde <$BlogCommentDelete>
Anonymous Anónimo said...

Desaparecimentos precoces são horríveis. Fica a sensação de furto, de roubo. Me roubaram, ou mesmo, roubaram a quem desapareceu, roubaram a todos... a sensação constante de algo incompleto, um chão sem teto. Não gosto de pensar nisso, ainda não digeri totalmente o meu e caminho - já?!?!? - ao ano e meio...
A amputação de um ser amado à qual somos confrontados da noite para o dia é a mesma que a de um membro que ainda coça mas não está mais lá - amo, mas não estão mais lá, aqui...!
Amei, amo e sempre amarei e sentirei sempre a falta do meu pai e de minhas duas irmãs, que me foram amputados de um mesmo glope, num mesmo dia...
A vida é isso, cicratizes e amputações; felicidades e realizações; sonhos e verões!
Resta-nos a vontade de reencontrar, saudades, o amar... posto que é chama, que seja eterno enquanto dure e o que sobra, ainda, não é o número de horas, dias ou anos e sim como os aproveitamos!

Abraço especial, desculpe o desabafo!

7:13 da tarde <$BlogCommentDelete>

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