domingo, janeiro 22, 2006

Raças

Michael Haneke, Caché, 2005

Apesar do comentador made in "Expresso" Francisco Ferreira o renegar, utilizando adjectivos como horroroso, de pacotilha, vazio, este filme galardoado como melhor filme europeu do ano transacto, é inquietante, sólido, magnificamente interpretado. O olhar é neutro, como que a deixar entrever uma câmara fixa que grava, aliás, vai gravando , misto de olhar real e olhar omnipotente situando-se no lugar onde as coisas que, em geral se escondem de qualquer olhar, acontecem. Trata-se do problema das raças, argelinos mais concretamente, e do convívio desse multiculturalismo no meio dos franceses, snobs, pretensamente tolerantes e liberais. Quer queiramos ou não, quer aceitemos com cortesia ou com raiva, as raças estão aí na rua, misturam-se sem nunca se misturarem, vigiam-se, escondem os gritos , as indignidades, os medos.Tentam conviver civilizadamente mas a comunicação social , o mais desbragado chauvinismo , a indiferença cautelosa e a nítida clivagem de classes não nos permitem esquecer, ou seja, fazer de conta que somos todos iguais. Embora evidentemente sejamos todos iguais à luz da humanidade e da lei, o facto é que somos diferentes e essa diferença não se resolve com cortesia e indiferença, com vítimas e carrascos mas, penso eu, com o mais sentido respeito de todos.

6 Comments:

Blogger SalsolaKali said...

Também já vi e acho que é preciso uma disposição especial para este filme.

…quanto as relações nos marcam, nos transformam desde o primeiro choro, o primeiro colo, até onde e desde quando a intolerância, a xenofobia podem estar entranhadas da carne, e sobreviver, desde a infância, mascaradas, escondidas num lugar remoto dentro de nós…
Como germina e até quando dura o ódio e a vergonha...
…e o desprezo, a intransigência, a solidão, a vingança, a avareza, a ganância…

A transmissão do ódio, pequena semente plantada em terreno fértil…
É um filme que nos faz olhar para dentro e ter vergonha… pq não são só os franceses que são pretensiosamente tolerantes e liberais.

Sentimentos cruzados, vidas marcadas pelas intersecções dos caminhos que vivemos.
Intenso, violento, melancólico, desprendido, frio…
O pormenor…
Acho que lhe perdi uma montanha de pormenores essenciais… Acho que há pormenores escondidos que se descobrem a cada reflexão…
Um filme reacção e efeito retardados… para trabalhar, a seco.
Também gostei.
BJ
SK

8:31 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger merdinhas said...

A ver vamos.Vamos mesmo.

9:58 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

Não vi. Vou ver. Obrigada. Também à Sk.

9:08 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

salso: Olá! Esses sentimentos no mais remoto espaço, naquele que temos vergonha de nomear, dentro, cá dentro, de facto existem. Mas se há sentimentos que nos tomam outros há que não nos devem tomar porque não são de todo dignos de nós e assim nem toda a autenticidade pode sobreviver,não deve pelo menos.

merdinhas:Força, acho que não te vais arrepender.

macaso: Vai, depois me dizes. Também agradeço à Salso ter clarificado esses labirintos da alma para onde o filme nos leva sem pedir licença.

10:29 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Não vi o filme. Por uma questão meramente lúdica, costumo ler as críticas ao cinema que vejo... depois de o ver.
No Expresso, os pontos de vista coincidentes com os meus, encontro-os habitualmente nos textos de Jorge Leitão Ramos.
Com Francisco Ferreira, não.

Subscrevo essa dos "franceses, snobs, pretensamente tolerantes e liberais". Fujo dos franceses citadinos como o diabo foge da cruz; os do litoral (talvez pela força da maresia...)ainda se gramam.

Para não falar dos portugueses que se escudam num mutismo assustador e provinciano (a eterna istória de que o "antigamente" ainda deixa marcas bem visíveis numa larga fatia da população) e que falam do que lhes vai na alma, na segurança do lar.
Não fôra assim e já há algum tempo que tínhamos o caldo entornado no que se refere ao respeito que deveríamos ter pelas diferenças dos outros.
Mas isto também não é bom; a contenção discursiva também é contra-indicada. Porque os ´"odios que se afogam no silêncio" podem explodir em qualquer momento e não permitem explorar os caminhos de possíveis entendimentos de ambas as partes.

11:11 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

legível:Disseste tudo ou quase tudo, que te hei-de responder? Que concordo evidentemente.

11:08 da tarde <$BlogCommentDelete>

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