domingo, junho 01, 2008

gare do oriente

(fotografia daqui)
Gare do Oriente, 21h. saída da orla do meu mundo atravesso subterraneamente a cidade. na Gare do Oriente a esta hora muita gente ainda espera o autocarro. apesar de Maio, há um vento cortante, tonto, criado a partir daquele labirinto de postes de cimento, arcadas e poços, uma corrente de ar permanente. relativo silêncio, o dia desaba. estaria em casa, se hoje fosse um dia normal, em frente ao computador a preparar aulas, teria ido ao supermercado, mas escolho pacientemente algo para trincar numa espécie de 24h, aqueles espaços abertos pela noite dentro. Poderia esquecer as olheiras da rapariga da caixa, mas o olhar não esqueço, deve ter uns dezoito anos,além daquele olhar que vem lá do fundo de uma noite qualquer, inventada ou descoberta, a sua falta de reacção quando pega na sandwich que lhe estendo, sem tirar os headphones, não fala para mim quando diz 3 euros, fala com alguém que se encontra algures atrás do seu olhar, nesse ponto em que não vemos senão um pensamento absorto. Como as duas fatias de pão com qualquer coisa alanrajado, tomate?, não, salmão fumado.Um homem alto de estranha pronúncia abeira-se, não tem nada para comer, ofereço-lhe metade, aceita, fala em dinheiro, dou-lhe um euro, continuo com fome também, aproxima-se uma velhota simpática com um chapéu e uma rede preta no cabelo, quer beber uma bica precisa exactamente de 55 cêntimos, depois senta-se na mesa do café a beber a bica que lhe paguei, tem graça, julgava-lhe a mentira, afinal, não, aceno à velhota, deseja-me boa sorte. Ninguém parece apressado, está tudo ali como se fosse a sua casa, naquele vão aberto ao vento. Os autocarros vão circulando, encosto-me também a um daqueles postes de cimento enrugado e fico a perder-me de olhar, Lisboa cala-se, o roçagar de sacos plásticos e dos papeis a voarem.

10 Comments:

Blogger un dress said...

como quem sou perdida nos olhos desta rapariga à caixa três euros a repetir-se eterna, mulher de rede e bica ali,

como quem sou súbita perda mescla sou todas sou
mecha acha,

como quem sou não sou só sou lisboa quase barca na menina dos olhos nesta noite já mais tarde,

desvio o percurso recto de todo o dia o vento
curto à rédea,

micro labirintos de oriente oriento a vaga procuro um remo, entro

um euro três euros um,

daqui a pouco em casa direi um dia marcado aceso
a deslocação das pernas,

quando já agora
agora já quase dormente descoluna-se estranho de mim o corpo,

o risco imperceptível do vento a lápis no mapa azul na cama reconhecidos sulcos,

sossego, que sono é este pergunto na direcção do peito, que sono

,tão meu, tão só meu (?), meu tão sonho,longa avenida de esboços, gestos infiltrados, ao mesmo tempo presença e falta, agora aqui, aqui agora, minha tão casa.



~




tambem lá estive, foi o que senti a ler-te...:)

beijO

11:46 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger mdsol said...

olhares sentidos da vida sobre sentidos da vida...
:)

4:33 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

... é uma zona da cidade de me pôr os cabelos em pé... quando faz vento. Calatrava ainda é mais papista que alguns portugueses que conheço e que defendem (e com justeza) que os portugueses, em média, cresceram em altura, nos últimos trinta anos, muitos centímetros. Mas não assim tantos...

Embora atrasado, deixo comment em post anterior a este.

8:32 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Unknown said...

Tens uma forma tão única de atravessares a desolação!...

Talvez seja uma atenção diferente do habitual, com os teus olhos e com os gestos das tuas mãos... abertas.

Também te desejaria boa sorte, se me cruzasse contigo, assim.

[Beijo...]

10:43 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Martini said...

Este post cheira a Lisboa. Pensei-o mesmo ainda antes de terminar a sua leitura.
E o cheiro a lisboa tem todos esses ingredientes estranhos que fazem da nossa cidade qualquer coisa entre o distante com uma beleza decadente e vaga e o quase cosmopolitismo encabeçado por pessoas ausentes...

12:31 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Ana Paula Sena said...

Que belo... Senti essa tua doce melancolia e tranquila humanidade...

:)

12:57 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger CNS said...

O vidrado das vidas que desistiram de procurar um sentido. Muito bom, este texto.

10:54 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Mar Arável said...

É preciso que a cidade os cidadãos

o país não cale

quando é chamado

na próxima 5feira

12:19 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

un dress: essa liberdade de recriar o que nos toca por palavras , de as deixar correr, é sempre entusiasmante. À tua gare do oriente (seria um interessante título para um livro de histórias que teriam como ponto comum essa mesma gare do oriente, a pensar hein?)

mdsol: passa tudo pelos sentidos sim e pelo sentir.

legível: os portugueses na franja, da franja, são esses que mais me ensinam coisas, é verdade.queres tu dizer que a cidade cresceu em área mas não em humanidade? concordo absolutamente.

um ar de: o teu comentário é de uma gentileza que me deixa sem palavras, talvez nos cruzemos, quem sabe? e nos acenemos aí só como um gesto de boa vontade, sem mais...

martini: cheira a lisboa mas não a manjerico, embora esteja na época dele, é uma outra lisboa, a periférica não a bairrista.

ana paula: se lá fores à hora do crepúsculo podes ver para crer.

cns: o sentido deles é existirem, estarem ali, só, obrigada.

mar arável: ai! o que é que não podemos calar na próxima 5ªa feira, tou mesmo a leste, sorry!

9:29 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Manuel Veiga said...

conheço bem o local. e as pessoas de que falas...

é bom (re)vistá-las pelo teu olhar. sensível...

8:22 da tarde <$BlogCommentDelete>

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