quarta-feira, março 08, 2006

Agora, António Botto, "Cantigas"...

" Ando queimado por dentro
De sentir continuamente
Uma coisa que me rala;
Nem no meu olhar a digo
Que estes segredos da gente
Não devem nunca ter fala.

Talvez não saibas que o amor,
apesar das suas leis,
Desnorteia os corações;
-Complicadíssima teia
Onde se perde o bom senso
E as mais sagradas razões."

Ouvi as "Canções de Cabaret" interpretadas há alguns anos numa daquelas representações para amigos. Ao passar por um blog recordei uma delas, voltei ao livro, lá estavam com as marcas, e o ritmo musical que me ficou na memória. Sobretudo uma frase que não esqueço: "Mas não me fites assim!...Diria que és o meu sonho e a minha realidade" O poema é "Ironia", trágico mas jocozo, o Botto era especialista nesta arte de remendar as lágrimas com gargalhadas, a comédia negra de uma certa Lisboa boémia envolta em fumo, crimes passionais e álcool.
Um poeta consumido no vício, mas que bem que se consumiu para nosso deleite, para ele não sei, difícil senão perigoso, viver desse modo num estado repressivo e intolerante e numa moral estúpida feita de medo e medo. Só eles sabem! O Estado morreu ignorante!

10 Comments:

Blogger Madame Pirulitos said...

Fizeste-me recordar e, principalmente, pensar muito sobre...
Estará ou não em contradição com o que escrevi?

2:23 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

e sim, vivemos com medo e morremos com medo.

2:24 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Desenhas bem o poeta quando escreves que ele se consumiu para nosso deleite...

Quero imaginar que ele sabia o que representava para um Estado ignorante e repressivo. Nada mais lhe restava senão, representar uma época e um modo de vida do modo que ele mais gostava. Eu, agradeço-lhe.

7:03 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger  said...

Que imagem de lisboa!
às vezes penso que esta nossa cidade é como um prisma como várias faces, há várias lisboas...

8:28 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

macaso: Contradição com o que escreveste? Espero que hoje, no estado democrático o medo não seja uma causa nem um efeito mas uma contingência.

legível:Também lhe agradeço mas compreendo que deve ter sofrido e que esse sofrimento, muito desse sofrimento, não era necessário. Hoje lemos o Botto, somos também parcialmente responsáveis mas pelo menos temos um novo conceito de arte.

pé é para que vejas que Lx não foi construída no Lux!! ou no Frágil (que saudades) mas estes tipos tornaram possível isso, são os "pentimentos" dos poetas que fazem desta Lisboa a cidade obscura e luminosa, muito pecado,para que agora seja razoável aceitar que nem fumar se possa, é pra rir!

9:46 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger isabel said...

Os poetas, os pintores, os artista, o que vou dizer pode ser um perfeito disparate mas, quanto mais eles se consomem, mais bela é a sua obra.
Este é mais um caso.
Uma homengem bem merecida

9:15 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Peg solo said...

arte de remendar as lágrimas com gargalhadas
existirá melhor arte que essa?
"pentimentos" é uma palavra extraordinária! ;)

12:21 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

"Que estes segredos da gente
Não devem nunca ter fala".

Eu digo que devemos falar, há coisas que devem ser ditas, transformadas em objectos prontos a serem pensados. Contradições? Continuamos a ter segredos só nossos. Felizmente a esfera privada mantém-se.

10:51 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger Rui said...

Ardeu num fogo fatuo que nos vai mantendo aquecidos. Eu gosto.
Foi bom lembrá-lo.

1:39 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Mónica said...

muito bonito o poema!
muito bonito

12:11 da tarde <$BlogCommentDelete>

Enviar um comentário

<< Home