segunda-feira, março 20, 2006

Seguramente

Acho que sou de um velho tempo, um tempo em que Jorge de Sena escrevia:

"É noite, eu sei. Mas como é tanta a noite
que nada resta de humano entre os mortais?
Como vivemos e porquê, se as sombras
nem sequer se projectam, devoradas
pelo restar de coisas insensíveis...
Porquê e para quê, se nada somos,
se nada mais sonhamos de completo
amor que a tudo mova e nos refaça?" (1962)

É certo que esse cronológicamente era um tempo que não vivi, o tempo em que a liberdade gritava como sedenta, amarfanhada, mas com um fulgor inaudito, um homem era livre porque se sabia livre e não se lamentava, não pedia desculpa, lutava e desejava um outro mundo, a sua mera presença, a de homem livre, enchia páginas e páginas escondidas, de esperança, de raiva, de resistência inconformada. Não vivi esse tempo mas está dentro de mim esse mesmo ensejo, essa luz. No tempo de agora, vigilante e hipócrita, a liberdade é uma extravagância, é feia, inestética, incomodativa. Um homem quer-se de sucesso, produtivo, funcionário realmente saudável, vigilante na sua aparência, grave e sério. Os poetas perdem-se em intrincadas formas, como se nada mais tivessem para dizer, como se dos gritos houvesse a consciência de que são manifestação de histeria. Os poetas refulgem como couraçados do anonimato, das não vendas, da inexistência, conformados ao estatuto de coisita, para uso supérfluo.
Decididamente não vejo à minha volta assomos de revolta, razoável é a juventude que confunde o ego com a reinvindicação e a falta de educação com a dignidade.
Sei perfeitmente bem que nada disto é politicamente correcto, dou-me até ao desplante de confessar serem as minhas atitudes verdadeiramente mesquinhas pois não deixo de fumar quando o imperativo é fazê-lo, não o farei quando todos o fazem; manifestação de estupidez? Claro! Completa! "Querem-me tributável? " dizia o Pessoa, pois não serei.
Sábado fui ao Teatro, um grupo novo, um tédio antigo, putos aos saltos a macaquearem programas de TV , "Ninguém é mais má que tu" era a preciosidade da peça. Muito alegre e descontraída que "a gente bai ber arte" para descontrair. Estava tão descontraída que se não fosse o respeito para com os meus amigos tinha-me pirado, ia chapinhar para as poças de água. Os teatros estão a fechar. Os que estão abertos fazem macacadas e em Lisboa a marginal é um corropio de bares abertos até ser dia.
Não não tomo drogas, antes tomasse, uma dose de cocaína que me pusesse também aos saltos!A dizer coisas inteligentes , de que vos queria dar um exemplo mas não me lembro de nada. Sorry!
Isto passa, com as orquídeas (a propósito a minha voltou a florir!Lindo!), o vento na cara e as disposições infinitesimais do clima.

8 Comments:

Blogger  said...

Seguramente que não há qualquer problema em seres políticamente incorrecta.
Eu pertenço a essa classe os jovens (como abomino o termo) e acho que a classe está envolta em estupidez, mente captice e facilitismo. Claro que não somos todos assim, mas aqueles que são incomodam muita gente.

Os teatros estão a fechar, e pior, abundam as peças muito más, muito más mesmo, com actores que não são actores e que ainda têm a lata de dizerem que para um actor ser inteiro precisa de fazer teatro. Dá vontade de rir.

A liberdade antes seria mais saborosa, a nossa liberdade hoje é superflua, acorrentada a bens materiais desnecessários, à televisão e à forma como a comunicação social trata a informação...

É melhor parar por aqui!!

12:22 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Rui said...

Realmente mau seria se te conformasses. Tudo pode estar a ruir à nossa volta, e isso é péssimo mas, pior - muito pior - seria cruzarmos os braços e encolher os ombros.
Para a próxima, sai mesmo e vai saltar nas poças de água.

Imperativos só os que a nossa consciência nos dita - e sim, devias mesmo deixar de fumar, não porque a lei o diz, mas porque faz mesmo mal (e eu devia deixar de fazer umas quantas coisas também).

3:49 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Desgraçadamente tenho a ideia que ainda sou jovem; mas não sou. Porque não sou cego, surdo & mudo. Mas o que gostava de o ser! Com o conhecimento que tenho do outro tempo (do tempo que falas e escreves) seria capaz de virar o mundo do avesso); eu e outros jovens da minha actual idade. Sim, porque a prática é muito importante nestas coisas da militância pela liberdade, pelas milhentas causas que por aí andam a precisar de uma valente abanão...

... mas há um contra. Não posso -está provadíssimo, ser ao mesmo tempo, jovem e experimentado. O que é mesmo uma contrariedade de peso e penso que alimentada pelos velhos que nunca quiseram ser jovens. Por isso, às vezes, faço poemas; tristes & cinzentos que não mostro a ninguém...

... para não ouvir "já tinhas idade para ter juízo!"

4:40 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

Eu ainda quero viver no limiar dos dois mundos. Será que se consegue?
Lembrei-me de outra coisa...eles não tem histerias, demasiado freudianas para que possam assentar-lhes devidamente. Têm distúrbios somatoformes. Mais puro e duro.

Não me apetece cruzar os braços.

9:05 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

Gosto da expressão mente captice, parece latim,erudito, portanto! Ó pé tu também reconheces a fala de pachorra para aturar todos os julio Dantas mais os homens do BMW, ao vivo, a cores e com fogo de artifício! Melhor era emigrar, para S.Tomé, plantar café e vegetar ao sol!

Ó rui tu não me chateies também, que deves ser o observador número (não arrisco, são tantos) com a gaita dos malefícios do tabaco!

legível:Podes ser sim senhor, jovem, porque tens gana de andar ao pé coxinho e de rir à parva e velho e experimentado porque ...sim, se o dizes...

macaso tu surpreendes sempre somatorfes?? Também há para usar ao ar livre??

10:26 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Madame Pirulitos said...

:):):)

6:11 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger mixtu said...

sobre teatro... o actual: uma miséria...
jinhos

10:27 da tarde <$BlogCommentDelete>
Anonymous Anónimo said...

As orquídias são lindas demais!... :)

9:50 da tarde <$BlogCommentDelete>

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