domingo, julho 15, 2007

Foto de Adriana Silva Graça

" Com que posso prender-te?

Ofereço-te ruas estreitas, poentes desesperados, a lua dos subúrbios miseráveis.

Ofereço-te a amargura de um homem que olhou durante muito e muito tempo para a lua solitária.

Ofereço-te os meus antepassados, os meus mortos, os fantasmas que
os vivos honraram no mármore: o pai do meu pai morto na
fronteira de Buenos Aires com duas balas nos pulmões,
barbudo e morto, embrulhado pelos seus soldados numa pele
de vaca; o avô da minha mãe - com vinte e quatro anos -
encabeçando uma carga de trezentos homens no Peru, agora
fantasmas em cavalos desaparecidos.

Ofereço-te quaisquer visões que os meus livros possam conter,
qualquer bravura ou humor da minha vida.
Ofereço-te a lealdade de um homem que nunca foi leal.
Ofereço-te esse núcleo de mim mesmo que guardei fosse como fosse
- o coração central que não lida com palavras, não negoceia
com sonhos e é intocável pelo tempo, pela alegria, pelas
adversidades.
Ofereço-te a memória de uma rosa amarela vista ao pôr do Sol, anos antes de teres nascido.
Ofereço-te explicações de ti, teorias sobre ti, novidades autênticas e
surpreendentes a teu respeito.
Posso dar-te a minha solidão, a minha obscuridade, a fome do meu
coração; estou a tentar subornar-te com a incerteza, com o perigo, com a derrota."


Jorge Luis Borges, Dois poemas Ingleses


7 Comments:

Blogger Gi said...

Um autor que deslumbra com a grandeza da sua obra. Dos 5 livros que a reúnem em folhas soltas nem 3 devo ter lido no seu conjunto. É bela mas não a consigo levar de seguida. Nem sempre se consegue arranjar tempo e predisposição para abarcar com uma série de conceitos filosóficos que ele deixa nos seus escritos.

Eu gosto deste suborno que ele aqui deixa. Oferece-se... Todo.

beijinhos e boa semana

5:39 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Manuel Veiga said...

"Ofereço-te a lealdade de um homem que nunca foi leal"...

todo temos fome de "cumplicidade". até os grandes poetas. na sua grandeza. e solidão...

abraços

5:45 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Anonyma said...

"Com que posso prender-te?"
Com a liberdade.
Só com a liberdade se pode prender.

9:58 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger mixtu said...

borges é na verdade o mestre...

abrazo

2:14 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Entre os teus lábios said...

... [não prendas]...

9:11 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

... nunca subornei ninguém
assim tão linearmente bem.
ah! mas o método revendo
a oferta será em crescendo...



beijo & sorrisos.

9:43 da manhã <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

gi: Quando li o Aleph adorei, há muito tempo.Agora ando às voltas com a poesia e esta assaltou-me, talvez porque corresponda a um anseio, identifico-me com esta oferenda magra, esta lucidez.Suborno? Pois, suborno, mas que suborno!! Também queria assim um suborno destes!
bjo

Herético: certamente, fome...de cumplicidade também, habitam eles a grande solidão mas ninguém está verdadeiramente só quando tem a conciência do que é e do que tem para oferecer...abraços

anonyma: com a liberdade...resta saber o que é a liberdade ou com que espécie de liberdade...

mixtu: é, um mestre, abraços latinos!

entre os teus lábios: não, quem, eu? ou o Borges?

legível: oi... crescendo, claro !não tem fim, há sempre um pormenor que podemos acrescentar.
Bom fim- de- semana,boas férias se for o caso!

9:39 da tarde <$BlogCommentDelete>

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