domingo, maio 07, 2006

A Gaivota

Anton Tchekov, A Gaivota, Teatro da Cornucópia, Enc. Luis Miguel Cintra,Maio 2006

TcheKov escreveu-a com 36 anos, na sua casa da aldeia de Melikhovo, perto de Moscovo, em 1896, a sua primeira representação foi um fracasso, a segunda,dois anos depois, pelo Teatro de Arte de Moscovo um sucesso absoluto. Hoje esta peça continua uma paixão, para mim, a paixão. Já a representei, encenei, vi. Algumas das suas falas ecoam insistentes na memória e quando as digo ganham sentidos desconhecidos, assim como cada vez que a vejo as personagens são sempre outras, não aquelas que na imaginação respiram, pois esta história nunca se deixa tomar pelas suas interpretações, apesar de a renovarem nunca a esgotam, nunca os actores são as personagens, a Rita Durão não é a Nina, embora o Sorin do Luis Miguel Cintra esteja perto da perfeição, tão perto, diria êxtase absoluto, as mãos a voz, a expressão, o corpo, de todos os Sorins este é o maior! É certo que os actores dão emoção e vida às personagens mas estas continuam por desvendar, fugindo nos seus medos, nas sua fragilidades, ali, na sombra, manancial de inspiração para tantos actores e encenadores que lhes querem desvendar os segredos, querem possuí-las definitivamente. Talvez que o mistério desta peça não se revele no texto, mas na muda relação entre as personagens, no modo como sofrem uns nos outros a presença sem jamais a verbalizarem. Amores que não se compreendem, vidas que não se dominam, insatisfação contínua, sofrimento e latejar de horas. Movimento interior constante, exterior parado. Contradição, querer e não querer, ser e já não ser, pensar e envergonhar-se logo de seguida, levar-se a sério e rir-se de si próprio, a todo o momento, quão irrisório tudo se manifesta.

Se quisesse dizer de que trata a peça, se quisesse eleger um ponto de vista, uma ideia, iria fracassar, várias linhas se cruzam, sem graus de importância, aliás parafraseando o Luis Miguel Cintra, tudo em TcheKov tem importância, coçar o nariz, matar uma gaivota, escrever um livro, pescar, é tudo vida, corre, sem simbolismos, com amor às personagens às suas futilidades e do mesmo modo às suas grandezas. Do amor e da vida, da falta de amor e do seu excesso , ausência e excesso, sem medida certa, mas também sem fúria, com a resignação dos inevitáveis, cada um está preso no seu inevitável e sabe disso, da sua natureza e também das suas circunstâncias, não se lamenta nem se revolta, vive como sabe e pode. Também da Arte, esses quatro artistas, dois escritores e duas actrizes , rivalizam nessa luta que não sabemos se pelo amor à arte, se pelo amor do outro, compreendem, e nós também, que a vida é sempre maior que a arte mas esta é a qualidade superior da vida.

E tenho de voltar a escrever sobre isto que me dá ganas de não conseguir dizer quase nada. Pois é mesmo assim. É mesmo assim. " Se um dia precisares da minha vida, vem e leva-a."

7 Comments:

Blogger Mónica said...

luis miguel cintra
http://www.cinemaportugues.net/cinema/pessoas.asp?idpessoa=555&lang=

5:56 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

semcantigas: mas que falha imperdoável! Brigados, já rectifiquei!

6:18 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger ricardo said...

infelizmente não tive tempo de ir assitir...
gostei do blog: parabéns!

8:55 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Rui said...

Assim que puder já sei onde ir. Obrigado.

5:22 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

little blue sheep: Obrigada pela visita e ainda bem que gostaste!

rui:Lamento informar-te mas já não vais a tempo. Saiu de cena no domingo!

7:40 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger Alberto Oliveira said...

Esta "gaivota" já a vi por duas vezes, mas há uns anos largos. Se queres que te diga já nem garanto certezas dos lugares e dos intérpretes. Já cá cantam alguns anos de tantas coisas vistas e ouvidas. Uma no Nacional (D. Maria) quase que ia jurar.
O teatro, e não só (sobretudo a representação/interpretação). Não deixar esgotar uma figura. Daí, o trabalho de encenação, poder dar um magnífico espectáculo ou um fiasco completo.
Já não vou há uns tempos à Cornucópia e tenho pena. O tempo por muito planeado que seja, não dá para encaixar tudo do que se gosta e há que fazer opções.
Gosto muito do modo como verbalizas o que te agrada, o que te apaixona. Estiveste no palco com os actores, viveste com eles as falas, as emoções; não foste uma mera espectadora* . Gosto disso. Muito.

* O espaço dá uma ajuda pois presta-se a isso. Ainda há demasiadas?! salas de teatro em Portugal desenhadas formalmente, o que é pena.

8:08 da tarde <$BlogCommentDelete>
Blogger manhã said...

legível: pois é a cornucópia continua a fazer bom teatro. três horas e meia de puro prazer.Sabes que o facto de conhecer bem um texto ajuda muito a verbalizar embora, de outro modo também prejudica porque temos a sensação que não dissemos mesmo o essencial, o teatro e o discurso não são de facto o mesmo, melhor mesmo é ir lá e depois bater palmas ou não.

10:07 da tarde <$BlogCommentDelete>

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