domingo, outubro 19, 2008

Depois do adeus


Quis saber quem sou

O que faço aqui

Quem me abandonou

De quem me esqueci

Perguntei por mim

Quis saber de nós

Mas o mar

Não me traz

Tua voz.

Em silêncio, amor

Em tristeza e fim

Eu te sinto, em flor

Eu te sofro, em mim

Eu te lembro, assim

Partir é morrer

Como amar

É ganharE perder

Tu vieste em flor

Eu te desfolhei

Tu te deste em amor

Eu nada te dei

Em teu corpo, amor

Eu adormeci

Morri nele

E ao morrerRenasci

E depois do amor

E depois de nós

O dizer adeus

O ficarmos sós

Teu lugar a mais

Tua ausência em mim

Tua paz

Que perdi

Minha dor que aprendi

De novo vieste em flor

Te desfolhei...E depois do amor

E depois de nós

O adeus

O ficarmos sós.


Paulo de Carvalho, José Niza, José Calvário


Hoje, só hoje, apeteceu-me, quem sabe se todos os dias virá assim do peito, a vontade, uma canção, uma canção contra o medo instalado que nos faz pequenos funcionários num tempo de poeira e pequenez. O humano, no seu valor, na sua coragem, na sua capacidade para a grande alegria está como tolhido, embestado, espalhado por tarefas que o fragmentam, desfocado, aturdido em finança, quantificado, retorcido, vazio. alheado. Todos os mistérios, os grandes se esvaziam com ele, com a quantidade de discursos patéticos e repetitivos de uma razoável medida, experiências de areia no mar. Quando perdemos a coragem para dizer um não ou um sim audível que trace uma fronteira e nos enteirice no ser que somos, vontade e imaginação, determinação, esperança? Vejo imagens do Largo do Carmo em 74, comovo-me...comovo-me com aquele riso, aquela confusão de espingardas e apertos de mão. Foi para isto que fizemos uma revolução? para sermos apagados por contadores de taxas de juro? alienados na função sem saber o propósito? fiscalizados? hipotecados? É isto a democracia?

quarta-feira, outubro 15, 2008

ABALIAÇÃO

J.D. Crowe, «Mobile Registerk»

Calha mal ter testes para fazer, aulas para preparar e resmas de papelada para ler; leis, decretos leis, artigos, fichas de preenchimento sobre avaliação, procedimentos, items de que ninguém ouviu falar e não sabe rigorososamente o que sejam, dossiers com regras de organização, relatórios de projectos, mais PAAs, SAGESPS, para preencher, enfim uma carrada de trampa que se nos atola aos dedos e aos dentes e nos faz perder o propósito do essencial, do que tem significação.acresce a tudo isto sermos avaliados pelos nossos pares, com menos anos de experiência e cujo título: titular, é uma pomposa forma de entregar a tarefa de avaliador a quem não tem condições para o fazer. isto fede! apetece despir já a calcita em público como aqueles estudantes da geração dita rasca!

digam-me lá! oh serigaitos da vacuidade de ideias! Se a verborreia do melhor ensino pode calcorrear esta auto-estrada de burocracia, despropósito e oportunismo economicista!?

domingo, outubro 12, 2008

Psicanálise


Quando chegamos a uma determinada idade descobrimos que a maior parte dos nosssos comportamentos obedecem a ordens ou impulsos inconscientes sem que a consciência possa, por si, deslindar esses mecanismos compulsivamente e recorrentemente postos em movimento sem o nosso consentimento ou compreensão. a ciência tem vindo a dar crédito a esta minha intuição mas não apazigua a suspeita desagradável que deriva do facto de sermos determinados por forças latentes, silenciosas e obscuras resultado das nossas antigas vivências, mas também da simples composição e funcionamento do cérebro. Não me agrada nada chegar à brilhante conclusão que não sou livre, nem absolutamente responsável por tudo o que faço, a ser verdade é toda a ideia de ser humano a esvair-se assim como a ordem e os valores, seria preciso pensar tudo de novo e será um dia, tenho a certeza, já começou e não vai parar. Mas nada destas teorias ou simples intuições retira imediatamente o sentimento de culpa ou a consciência da nossa responsabilidade porque se há actos meramente compulsivos que fazemos antes de os pensar e sem saber exactamente porquê, também há outros que tomamos como nossas escolhas e não digo que terá de ser, afirmo simplesmente que é assim, não pode ser de outro modo. Confesso ser a psicanálise um instrumento eficaz, talvez o único, para ajudar a compreender e a mudar alguns dos nossos comportamentos mas tenho dúvidas se isso será realmente importante, só o será para alguns casos, aqueles cujo desvio pode causar mal-estar não apenas ao próprio mas aos outros, talvez fosse ajustável e necessário para dirigentes com grande responsabilidade nos destinos do mundo, para nós meros anónimos, o eu é só um bocado de madeira à deriva num sistema que já construiu há muito os seus portos de abrigo.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Falência ou fraude?


Há qualquer coisa que "não me cheira" nesta súbita queda da Banca, cheira-me pessimamente quando oiço os Estados a falarem de milhões de euros do nosso dinheiro para cobrir buracos e falências iminentes. Não é verdade que há um ano era essa mesma Banca que dava quantias astronómicas de lucros? e não é verdade que depois desta injecção financeira, nos EUA os administradores dessa mesma Banca foram passar férias para um hotel de luxo???? Posso declarar-me em falência iminente e pedir ajuda ao Estado?? Tenham lá paciência, esta história está muito mal contada!!!

domingo, outubro 05, 2008

requiem para um bar

Fotografia do interior do Bar Artis na Rua Diário Notícias, roubada daqui
já me haviam dito que tinha acabado, fechado portas, no mais íntimo acalentava ainda a esperança de ser arrufo do Mário devido à doença ou ao mau feitio.quando por fim lá passei e vi a porta fechada, a luzinha vermelha apagada, percebi que era o fim e fiquei triste.era o meu bar, onde vivi muitas noites, onde celebrei, onde me refugiei para mudar de collants quando faltavam minutos para estrear uma peça e já estava tudo fechado, quando me faltava o cigarro, quando a noite era imensa e fria e ali o saxofone cirandava. bebo ao Artis e sinto a nostalgia pesada de não ter sido testemunha, de ter deixado ir, como se pudesse ter feito qualquer coisa, algures guardo os poemas gatafunhados em guardanapos de papel e um desenho a tinta da china com o ar sonolento de três ou quatro gin tónics.