quinta-feira, maio 31, 2007

The Bridge


The Bridge de Eric Steel -Documentário.
Uma equipa de filmagens passou o ano de 2004 a filmar esta ponte. A Golden Gate. A ideia era captar imagens reais de suicídio. Filmaram dias seguidos. Seleccionaram 100h de imagens. O resultado final são duas horas de arrepiar. Conta-se que são 80 metros a pique até ao mar. Nós vimos.4 segundos de queda , o impacto do corpo na água é tal que os ossos partem e os orgãos desprendem-se. Chegam, passeiam de um lado para o outro, uns, outros mais decididos caminham, olham em volta, sobem para o gradeamento, escorregam ou atiram-se de braços abertos , de costas, de frente. Os depoimentos dos amigos. Solidão, doença mental, fracasso.São homens, mulheres em desespero continuado ou em desespero circunstancial.E não sabemos que dizer, a seguir, é como se o coração encolhesse.

domingo, maio 27, 2007

diferença

Violet Hopkins, El Paso, 1973
Confesso que não ia à procura de nada nessa noite. Era um desafio. Sair do meu ensimesmamento continuado.Queria analisar-me nas sensações que ia tendo, nas reacções dos outros, nas formas de discurso que passavam, na linguagem dos corpos. Uma rapariga passou com uma criança. Eram 3h da manhã, a música alta. Que faz uma criança aqui, neste local, a esta hora? Dancei. Há muito tempo não dançava. A rapariga voltou a passar, reparei que a criança coxeava, num flash de luz apercebi uma senhora, pequenina, uma anã. No meio daqueles corpos perfeitos que se mediam com os olhos. As duas iam de mão dada, a rapariga curvava-se para falar. De repente entrou por ali dentro uma humanidade surda, a música, a sedução do lugar, pareceram coisas supérfluas, meros riscos passados com uma caneta no papel, figuras planas, sem espessura.E se as leis da atracção alguma vez fossem claras, eu diria que atraente será tudo aquilo que ultrapassado o estereótipo, nos faz ver para além do que todos vêem. A surpresa de encontrar um rasgo desses no mais improvável lugar onde isso pudesse acontecer, valeu a noite.


quinta-feira, maio 24, 2007

velhos amigos

Encontrei um amigo que não via há trinta anos. O Paulo. My first boy friend.Quando subia de carro a alameda da Gulbenkian (pela primeira vez) para o ir buscar, chovia a potes. Ele estava de pé à porta.Olhei-lhe para a cara, queria ver em alguém de quem me lembrava muito bem, as marcas de 30 anos. A primeira impressão: devassado. Velho.O cabelo ralo e branco, rugas profundas.O corpo igual, o mesmo modo de vestir, o mesmo peito em quilha, as mesmas mãos ossudas e fortes. Depois deste primeiro choque a conversa, o brilho no olhar, o à vontade, como se acabássemos de nos ter deixado, ontem. A nossa proximidade de velhos amigos, as nossas queixas, as nossas memórias, o mesmo riso. Bolas! Alma! Intacto.Intactos. Ainda bem.

terça-feira, maio 22, 2007

da memória

Deolinda Fonseca, 2005

Diz-se que há muitos tipos de memória: visual, auditiva, emocional, espacial, intelectual. Quando estudava servia-me da memória espacial, isto é, sabia onde se encontrava a matéria, o grafismo das palavras, a sua posição na página, era o suporte mais fácil para me lembrar. De história, a conquista de Ceuta aos mouros ,prevaleceu até hoje. Mas aqui abre-se um novo parêntesis, porque será que há coisas que não esquecemos e outras sim? Quando voltei a Barcelona depois de terem passado 15 anos , não me lembrava de nada, de Barcelona só retive pequenas guerras entre pessoas, o meu estado emocional enfim. Daí não podermos concluir que temos este ou aquele tipo de memória, pois se a minha memória visual prevalecesse lembrar-me -ia das casas ou das ruas de Barcelona. Mas não. Mais estranho ainda quando lembramos expressões de alguém ou um gesto e esquecemos onde estávamos. Tenho para mim uma teoria. Lembramo-nos do que amamos, do que nos tocou emocionalmente, e sobre isso não dá para antecipadamente saber como irá ser, é como se o próprio tempo e só ele se encarregasse de nos dar a resposta. Quem perdura, Bale...

sábado, maio 19, 2007

O crime do padre

Assim descreve Eça as cogitações de Amaro, o pároco de Leiria:

" Então, passeando excitado pelo quarto, levava as suas acusações mais longe, contra o Celibato e a Igreja: porque proíbia ela aos seus sacerdotes, homens vivendo entre homens, a satisfação mais natural, que até têm os animais? Quem imagina que desde que um velho bispo diz "serás casto" a um homem novo e forte, o seu sangue vai subitamente esfriar-se? E que uma palavra latina -accedo - dita a tremer pelo seminarista assustado, será o bastante para conter a rebelião formidável do corpo? E quem inventou isso? Um concílio de bispos decrépitos, vindos do fundo dos seus claustros, da paz das suas escolas, mirrados como pergaminhos, inúteis como eunucos! Que sabiam eles da natureza das suas tentações? Que viessem ali duas, três horas para o pé da Ameliazinha, e veriam, sob a sua capa de santidade, começar a revoltar-se-lhes o desejo! Tudo se ilude e se evita, menos o amor! (...)
A carne! Punha-se então a pensar nos três inimigos da alma - MUNDO, DIABO e CARNE. E apareciam à sua imaginação em três figuras vivas: uma mulher muito formosa; uma figura negra de olho de brasa e pé de cabra; e o mundo, coisa vaga e maravilhosa (riquezas, cavalos, palacetes) - de que lhe parecia uma personificação suficiente o Sr Conde de Ribamar! Mas que mal tinham eles feito à sua alma? O Diabo nunca o vira; a mulher formosa amava-o e era a única consolação da sua existência; e do mundo, do Sr Conde, só recebera protecção, benevolência, tocantes apertos de mão...E como poderia evitar ele evitar as influências da Carne e do Mundo? A não ser que fugisse, como os santos de outrora, para os areais do deserto e para a companhia das feras! "
O crime do Padre Amaro, Capítulo IX
1ªa edição em 1875, segunda 1876 e edição definitiva sancionada pelo Eça em 1880
Bem seria que não fosse pároco! por causa da reza, da batina, da confissão, do cónego e da covardia acaba por dar morte lenta à "amada" em prol do bom uso e dos costumes, que ficam sempre bem e não saem muito caro!Abram alas ao Eça! please!

quinta-feira, maio 17, 2007

lapidação

Cá também espancamos crianças até à morte mas a lei condena o espancador (de forma moderada mas condena) a lei islâmica permite espancar crianças/mulheres até à morte e os assassinos são cumpridores da lei, os assassinos são os justos! Estes árabes vivem na mais obscura das idades, na idade que escapa a qualquer racionalidade, chamo-lhe trevas mas trevas daquelas mesquinhas e asquerosas. Para estes aqui não há desculpas e não há perdão,não há nada senão uma imensa revolta!

segunda-feira, maio 14, 2007

ser romântico

Foto de Adriana Silva Graça

Escolas à parte, o ser romântico alimenta-se do seu próprio sentimento, cuida-o, empresta-lhe para respirar um cem número de memórias à beira mar e ao pôr do sol, ama o seu amor, ou a ideia dele e constrói um meticuloso mundo onde cada coisa é símbolo do seu sentir. Ser romântico é desejar acima de tudo sentir, mesmo que o objecto do seu sentir esteja ausente, ou ainda mais sentir quando há ausência pois na ausência a presença engrandece , multiplica-se, aperfeiçoa-se , como se completasse à força de sentir, o vazio que a ausência implica. No outro lado do vértice da pirâmede, a paixão. A paixão é um estado emocional, desequilibrado, guerreador, na paixão nada basta, há um fogo a consumir, uma emoção que desaba a todo o momento, na paixão nada se constrói, nada é possível, é tudo imensamente sagrado, imensamente presente, imensamente doloroso. Já não há o eu há só o outro.Quando escrevemos encetamos um distanciamento, tentamos ver. Mas só há uma linguagem para a paixão e essa não passa certamente por palavras. As palavras enamoram-se do amor, são sem dúvida românticas.

sexta-feira, maio 11, 2007



México, Teotihuacan, pirâmede, Adriana Silva Graça

Frequentemente sonho e lembro-me dos sonhos. Ouvi algures e teve graça que entre os enfadonhos encontramos muitos contadores de sonhos. Daqueles que começam: "olha hoje sonhei uma coisa tão estranha!" e começam a desfiar o rosário...já ninguém está verdadeiramente a ouvir, a não ser o psicanalista mais a conta bancária que fica em geral ao lado do divã, sossegadinha. Longe de mim ser enfadonha mas hoje sonhei uma coisa tão estranha...não, não cairei na tentação...

...

então era assim, havia umas peças de faiança e um corredor e alguém me dizia, não toques nisso que ainda podes partir, eras tu que dizias, eu para variar punha-me a argumentar...vou a correr puxar da interpretação e surge-me o recalcamento...recalquei qualquer coisa algures, claro que sempre parti muita loiça, mas pergunto-me se essa proibição se refere à loiça...se calhar não é para a loiça.

quarta-feira, maio 09, 2007

é assim

as histórias que nos contavam tinham quase sempre um happy end. uma justiça. O amor era o prémio, a recompensa merecida. Descubro tardiamente que estas histórias são uma farsa e que é preciso muito contorcionismo mental para ajustar o real com o que sonhámos, ou mesmo com o que achamos que deve ser. Acaso, circunstância e contradição. Um sobressalto. Nenhuma justiça. Inventaremos uma. Qualquer uma, para sossegar.E se nenhuma servir? Se todas soarem a falso?
vou tentar estalar os dedos, talvez acorde, ou melhor talvez adormeça de novo.

domingo, maio 06, 2007

Camané

Imagem tirada daqui www.saisdeprata.com

S. Luís


Espectáculo: Cancões II


Em palco uma orquestra, a Sinfónia Portuguesa, do lado direito cinco músicos de Jazz excepcionais, o melhor sem dúvida o trompetista Hugo Menezes, ( rectifico, João Moreira) ao centro Camané. Vinte e quatro canções de um reportório que incluía My Funny Valentine, Ne me quitte pas (Jacques Brel) Que c'est triste Venise (Aznavour) e Vendaval (cantado por Tony de Matos).


"Para onde vou? Não sei.

O que farei? Sei lá.

Só sei que me encontrei e que eu

sou eu enfim

e sei que ninguém mais rirá de mim!"


Não resisti. Momento alto da noite. Coloquem-lhe os adjectivos todos. Noite inesquecível. Este pequeno homem, é absolutamente FABULOSO!

quinta-feira, maio 03, 2007

a história do peixe pato

Gustave Courbet, Cena de praia, 1870
" A praia estava deserta, o vento corria fino sobre a areia, nuvens amontoadas depressa formaram grossas massas cinzentas e colaram-se à orla do mar, levantando pequenas ondas. Não era um dia normal, áquela hora , habitualmente, não ia à praia. Pôs o cachecol ao redor da cabeça e tentou respirar fundo, as unhas raspavam pequenos grãos de cotão nos bolsos do casaco e a mão direita fechada em concha estava quente. Não, não era um dia normal, apesar de tudo parecer idêntico, o cais, o casaco castanho, os sapatos sem cor, gastos à frente, a esplanada da praia, fechada. Caminhou em direcção ao mar, queria voltar a sentir o absurdo de tudo, certificar-se que estava mesmo a sonhar e que talvez com o choque gelado da água tudo voltasse a ser o que tinha sido. Sentiu aquela sensação de calor na mão, o pequeno corpo tinha acordado e o seu movimento fazia-lhe cócegas. Cuidadosamente, tentou tirar a mão do bolso, sem quebrar nada, com infinita gentileza. O peixe pato lá estava, pequeno e triste com suas escamas pretas e seus pés de pato. O teu lugar é ali na água, aqui vais morrer, disse. O peixe pato sacudiu a cabeça e abriu os seus grandes olhos. Será? pensou. Não. Tinha de ser. Mas custava-lhe tanto. Aproximou-se da água e pousou a pequena criatura que ali ficou sem se mexer, friorenta. Vai! disse. Nada. Vai! Anda! O peixe pato abanou ligeiramente a cabeça e ali ficou.Imóvel. Então não queres mergulhar? Que queres tu de mim afinal? Silêncio. Veio uma onda e molhou-lhe os pés e ainda outra e outra e na terceira onda, mais forte ,o peixe pato cambaleou e deixou-se ir, sugado pela corrente. Espera! disse, não vás já! Tarde demais, já não descortinava as escamas pretas. Deitou-se à água, mergulhou, o mar verde, frio, verde, frio, muito frio. Onde estás? Uma onda e outra os sapatos cheios de água, tentou fincar os pés no chão, mas já estava longe e também estava bem assim..."

terça-feira, maio 01, 2007

venha a história!


Fotograma de "Double indemnity"
Então aqui vai a história. Qual história? A do filme, porque há outras mas prefiro não contar, são histórias sem princípio nem fim.A propósito: quantas histórias cabem na história? A mo pediu, e eu adoro contar histórias, por isso vamos lá...por onde começar...tudo se joga à volta de seis personagens: ele, vendedor de seguros, alto, bem parecido, solteiro, para quem os seguros e as pessoas não têm segredos, ou melhor para quem cada um tem um segredo a esconder, mas os segredos não resistem a uma conversa perspicaz, nessa manhã dirige-se a "Bolívia Boulevard", Los Angeles (estes nomes são-me incrivelmente familiares!) a uma mansão onde foi chamado para esclarecer um pormenor de seguro automóvel. A empregada, sul americana, diz que o patrão não está e tenta barrar-lhe o caminho, ele espera e já está no All da casa, é então que se ouve aquela voz feminina grave: ela. Do cimo de uma escadaria e acabada de sair do banho pergunta quem é, a sua voz e o resto operam o silencioso golpe. Os dados estão lançados! Desce, ele observa. Ela não sabe nada, queixa-se dos riscos que o marido corre no trabalho, falam de coisas técnicas, ele fica de voltar, mas entretanto como o filme é todo passado em flash back, contado por ele, nós já sabemos o que quer dela, não um seguro, certamente. Ela telefona mais tarde, encontram-se, fala num seguro de vida para o marido sem ele saber, mas a conversa cheira a esturro à distância, e ele bate-lhe com a porta na cara. Mais tarde tocam à campaínha do apartamento, ela não chega a dizer nada, já estão nos braços um do outro e o marido é um homem morto. O plano. O comboio, a perna de gesso, o assassinato do marido, e o pedido de dupla indeminização por morte pouco usual.
Finalmente sós? Não. Há um outro, o patrão dele. Desconfia. Não pode ser. Ninguém faz um seguro de vida dias antes de morrer. As estatísticas.Investiga. Pressiona. Aparece a filha do morto, pura, devassada pelo desgosto (ai a inocência, as armadilhas da inocência!), ambos vão deitar o plano por água abaixo, a raposa velha e a inocente. O primeiro pela lógica, faz perguntas, a segunda pela emoção convence-o, lança a serpente da dúvida, conta-lhe como a mãe morreu, da enfermeira que a tratava e depois veio a casar com o seu pai, Phylis, a mulher fatal, também lhe conta como o seu namorado tinha sido seduzido e encontrava-se clandestinamente com a madrasta.Afinal era apenas um joguete cego pelo desejo, a viúva negra perpetrara friamente todos os crimes .Em casa, crepúsculo, ela espera-o, esconde uma arma debaixo do sofá e senta-se. Ele entra calmo, olha-a em frente, na penumbra e desfia o rosário das acusações, esperava-os a câmara de gás, a ela e ao amante, ele iria falar , saltar fora. A pistola, um tiro. Ferido ainda a desafia para desferir o tiro fatal, ela abraça-o, diz que não é capaz, descobre o amor, ele sim dá-lhe dois tiros , sai cambaleante e desfalece à porta do trabalho. Pagos a dobrar ou duplamente perdidos!