sexta-feira, dezembro 30, 2005

Cristina Peri Rossi,1941, Montevideo

Deseo

"Amaneció lloviendo en Barcelona

-ciudad de aguas escasas -.

Hilos transparentes

agujas de araña

se descolgaban lentamente.

Sostuve el cielo con las manos

con los sueños con el pensamiento.

Una oración

una pequena súplica

una demanda:

que las aguas no se detuvieran

hasta tu llegada

para flotar contigo en el diluvio."

Aqui vai um dos últimos poemas de uma das minhas escritoras de eleição; o seu último livro de 2004, "Estrategias del deseo" trouxe-o ainda agora de Sevilha, viajei com ele encostado ao coração, retirei-o de uma estante num palco de uma enorme sala de teatro transformada em livraria( teatro e poesia a mesma paixão) para amanhecer assim, nesta "demanda".

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Ribera, Espanha, 1591/1652

Um anjo é aquele
que do fim da noite vem
ou a meio do dia pleno
quando o coração sobressalta

Um anjo vigora
nas travagens e nos medos
nos sorrisos e nos vómitos
nas mais vulgares carências

Um anjo habita a nuvem e a nuca
salta sobre o tempo
encontra as mãos vagueia nas unhas
um anjo sussurra não grita
agita suas asas e ilumina o momento

quarta-feira, dezembro 21, 2005


Hoje deu-me para saborear conchas, conchinhas, leques e búzios, devo agradecer à maré, às correntes e aos ventos que arrastaram mansamente estas relíquias e as depuseram a monte numa orla bem delineada que marcava o sítio exacto onde o mar tinha restolhado para depois se afastar.Escolher, admirar, meter com cuidado no bolso, olhar o horizonte prateado e sentir que somos um país de mares e marés mesmo na orla do velho mundo, que podemos por momentos imaginar os nossos antepassados a tecer pacientemente, sentados na areia, colares de búzios, a trazê-los para casa, e a encostá-los ao ouvido para ouvir o eco do mar.

segunda-feira, dezembro 19, 2005


-Psssst! Pssst !Papai Noel!
-Sim, diz lá!
-Eu queria sssssssstttttttppyyyyy
-O quê? Não percebi nada!
-SSSSSTTTTPPYYY
-Vou ver. Espera aí...................................................é isto?



-Não é bem, é mais ssssstttttpppyyyy.
-Não sei não......deixa cá ver.................será isto?


-Sim ,mas ssssssttttttttpppsssssssssssttttttttyyyyyyyyyyyy
-Espera.....................................................................................
...................................................................................................
..........................................................................................................
está ocupado......vou aviar aqui umas encomendas e já te atendo.
Fica lá com isto que não é mau de todo!
-Papai Noel!
-Papai Noel!

sábado, dezembro 17, 2005

Na Galiza, um conceito interessante.Um grupo de mulheres manifesta-se na rua contra a violência conjugal, a exploração da mão de obra feminina (Inditex,Zara e comp.), a homofobia.Acampam com cartazes, em atitudes graves e mudas.Ali estão.A encenação é cuidada, o impacto muito forte,a justeza da luta é inquestionável. Daqui.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Candido Portinari, S.Paulo, 1903/1962
Fala das vísceras 2 - ANGÚSTIA
Exercício 1: acordar e de imediato controlar a arritmia. okey. estou viva.
E hoje é hoje. Cigarro, leite, dores no corpo que serpenteiam pela cama,
Dificuldade em respirar, melhor agora,depois do cigarro.
Não entrar em pânico. acordar não é uma guerra, acordar não é um acto de guerra,
Mas sente-se um enorme frio interior que depois se pode intelectualizar na angústia,
uma quebra da espinha tal como se estivesse bêbada e não me aguentasse em pé.
Vómitos e o duche a correr. Tanto faz se bebi ou não, se comi mal ou não, é sempre
assim: um parto de mim própria que cria logo de mim a mim uma enorme desconfiança,
quer dizer: não se pode contar com ela porque imensas vezes vira-se para o outro lado,
vai à casa de banho vomitar, telefona a cancelar tudo com voz de secretária
aplicada, quando tem forças para ainda falar ao telefone e então fica-se ali, morta, pelo
menos 20 a 24 h de seguida. Não faço a menor ideia se fez sol ou não, em que dia
estamos, em que mês de que ano, qual é o meu nome? Okey, hoje não dá.
-fim-
Cristiana Veiga Simão, Intermitência XXIII
(a uma colega que desapareceu precocemente)

segunda-feira, dezembro 12, 2005

A fala das vísceras: RAIVA
Que raiva!

sábado, dezembro 10, 2005

Fragmentos

9h. Televisão: O Louçã porta-se bem, maquilhagem a mais e uma retórica demolidora, ora bem diz lá aquilo que quero ouvir...pois ele diz, tout court, maravilhoso, está a falar pra mim, fácil.O Cavaco parece um boneco da "Contra informação" Ainda não deu para perceber qual é o original. Essa mão passo.
Janta-se. Há poesia num bife de peru. Num espargo. Num copo de vinho. Os guardanapos têm um monumento da minha terra e foram comprados no "Intermarché" Curioso! Ou, nem por isso.


11h: O tipo da portagem ouve o Sporting na rádio, os da Amadora ganham,engana-se no troco...ok, não é o fim do mundo, o Sporting perde que se farta mas o pessoal joga, jogo é jogo e perder ou ganhar desporto. O que pensa você, a quem lhe falta cabelo, apesar da juventude, da ida dos portugueses a Marte para o mês que vem? E das invasões espanholas no ano passado?


12h: O Bar está reservado para uma festa de Natal. Bora comer cachorros. Há poesia nos cachorros, muita, o indiano que os serve ainda discute o Sporting mas não se engana na mostarda. Passo.


1h: Há poesia no olhar esfomeado do homem de cabelo branco que faz de conta que dança na pista. Hei!Mulheres há muitas , chapéus também!E se fosses pregar para outra freguesia? Não digo nada, só penso. Aqui a interacção fica-se pelos abanões do corpo. Mas uma cerveja gelada nesta noite e na seguinte e na outra ainda, sentir a ponta dos dedos húmida e a lua a crescer lá por fora, dão-me ganas. Volto à pista. Um casal dança agarrado, ele por detrás dela, para onde ela olha, ele olha, parecem aqueles movimentos da natação sincronizada, mas acho que não é isso.


O homem aranha começa a transpôr aquela fina membrana que separa o seu corpo espiritual do seu fato de homem aranha,e a música vem e volta.

quarta-feira, dezembro 07, 2005


Tudo está em tudo ou cada parte se isola do todo? Podemos enumerar todas as partes que constituem a nossa vida. Analisamo-las em separado: a esfera profissional, a política, a social, a íntima, a familiar.Os sentimentos, as tarefas,os deveres, os sonhos e desejos. Cada uma delas tem determinados métodos, exige uma "performance" específica, apela a uma determinada parte que nos constitui: assim para os sentimentos temos a generosidade, o medo etc ,ligados a emoções imediatas ou pensadas; para tarefas temos a energia, organização, perseverança, método, perfeccionismo; para os deveres a clarividência, o sacrifício, a organização, sem sentimentos que só nos baralham. Será que existem pessoas nas quais tudo se mistura e pessoas nas quais tudo se separa e qual a verdade disto, o que é melhor? Existirá um melhor "fora" do que conseguimos fazer e ser? Acredito que sim. Pela minha parte cheguei à brilhante conclusão que misturo, que tudo se reflecte em tudo, que quando uma parcela corre mal, tudo corre mal, porque o minúsculo abala o ser todo. Mas será que há coisas pequenas e grandes ou essa dimensão é somente a dimensão da nossa sensibilidade?

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Esta é para a Salso !
Depois de nos dares as pedras e as obras,
depois de nos teres deixado saborear pequenos
sedimentos da matéria orgânica, só podias
receber uma turmalina, gema de várias cores
cristalinas.
Esta verde é fantástica! Boas!

domingo, dezembro 04, 2005

" e quando dizes Amo-te
há cavalos a galope
que na lama correm
cavalos a galope
que na lama escorregam
e na lama partem as pernas."

sábado, dezembro 03, 2005

Corpo e alma

Esta frase: Temos um corpo e uma alma, reluz no escuro, aproxima-se a toda a hora e está connosco, sentimos o corpo, como uma coisa bela, feia, equilibrada ou desajeitada, com fome, frio,dor, prazer, satisfação, estamos nele mas não somos só o nosso corpo, se assim fosse não nos sentíriamos tristes quando acabamos de comer um delicioso prato de massa, nem sentiríamos alegria quando cansados, às tantas da manhã, acabamos um trabalho que nos parece bem feito,nem sentiríamos insatisfação numa noite qualquer de sexo com alguém com quem não partilhamos senão um desejo momentâneo. Enquanto o corpo fica satisfeito com uma pratada ou uma noite de sexo, a alma, ou aquilo que em nós perfila uma espécie de totalidade, sente-se aquém, como exigindo sempre mais;queremos ser amados, ser reconhecidos, ser respeitados não por esta ou aquela parte de nós mas por nós mesmos enquanto um todo, um eu. Às vezes esta consciência atira-nos para uma permanente demanda, iludidos na ideia de que trocando de corpo, de trabalho, de cidade, poderemos obter o que não conseguímos naquele corpo, trabalho ou cidade, mas a ilusão revela-se quando percebemos que essa insatisfação é mesmo assim e repete, talvez porque a alma continua igual e o que muda são os suportes materiais, que não passam de corpos limitados. Quando estamos doentes tudo muda, a alma deixa-se tomar pela urgência de ficarmos bons, não sentir dores e qundo isso acontece parece que nenhuma dor de alma é suficientemente forte ou importante porque é mesmo de viver que se trata e essa luta é essencial sobre todas as outras.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Os livros e o Natal

Ontem, numa ronda por livrarias, deparei-me com inúmeros títulos novos.Fixei uma nova edição do livro da Simone Weil que já morreu e que fala da espera de Deus com um rigor desencantado que me reteve largos minutos , parágrafo a parágrafo até me aperceber que era demais querer ler o livro todo na livraria e os pés, ora o esquerdo mas também o direito começaram a ressentir-se , resolvi por isso dar corda aos sapatos não sem antes me insurgir contra o preço do livro: 18 Euros, não que seja caro se tomarmos em conta outros objectos, mas por ser uma constante das editoras apostarem na qualidade das capas e papel,melhorando o lado impressivo do livro mas aumentando descaradamente o preço.Faço a comparação com as edições "paper" dos ingleses, boas de ler, de trazer no bolso, feitas para amantes de livros mesmo, daqueles que lhes pegam, comprimem e transportam para todo o lado, e que são escandalosamente baratas (os franceses estão também a fazer este tipo de edições). Ainda o meu espanto ia no adro, não propriamente espanto porque já sei como é , nada mudou entretanto, muitas edições novas títulos de autores vivos que escrevem e escrevem e escrevem, sobretudo no Natal. Será que o Menino Jesus os inspira nas suas palhinhas deitado? Será que é a neve a bater levemente na vidraça? Só pode. Mas a neve...bom aqui em Lisboa não há e o Menino Jesus dorme sossegado, são estas compulsividades da escrita que me atordoam. Porque de tanto poder escolher não escolho nada, é mesmo porque me invadem...bolas, cheguem pra lá um bocadinho...é Natal tudo bem e depois?