quarta-feira, agosto 31, 2005

Pela tarde

então falemos de amor
não do amor que perdemos mas do que resgatamos às trevas, por se achar encontrado quando perdido ou escondido ou feito por hábito adormecido na configuração das pedras.
falemos da espinha na garganta
do golpe de rins
súbita visão numa noite de sono sono
alternância de presença ausente
movimento da capa que nos tapa os olhos
e, logo de seguida, (ou será um só movimento?)
foge aos tropeções por culpa do vento
um momento
que nos deixa nus
com grãos de poeira nos olhos

segunda-feira, agosto 08, 2005

Aprender a respirar



Vermeer, Jovem rapariga adormecida
Se, numa tarde morna, nos deixarmos levar por devaneios inconsequentes, se pousarmos os olhos sobre a geometria da paisagem, se tocarmos com a ponta dos dedos a textura de um pano, se não quisermos ver mais senão o ritmo das cores, se sentirmos as gotas de água que se formam lentas sobre a nossa pele, se pousarmos os pulsos quebrados na gentileza de uma mesa de madeira e se, mesmo assim, uma águia teimar em debicar na ferida aberta, então o melhor mesmo é fechar a porta devagar e aprender a respirar.

sábado, agosto 06, 2005

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Estranho

Pois, aconteceu aqui qualquer coisa que apagou a imagem,voltei a colocá-la no post acima.Trata-se de uma composição,enganadora da pintura de Vermeer com uma fotografia actual.

quinta-feira, agosto 04, 2005

O sonho de Laura Veiga

No meu sonho sentia-me muito afortunada; ia a caminhar por uma rua e , a cada passo que dava,ouvia tirintar as moedas na sacola que trazia, cruzada ao ombro batendo-me na barriga a cada movimento. Na rua passavam por mim algumas pessoas que ao ouvirem aquele ruído me olhavam com curiosidade ou inveja, havia mesmo algumas que paravam e ficavam a olhar . A rua era íngreme e eu tinha de a subir, lá mesmo ao cimo havia uma loja. Abri a porta para entrar, alguém me acompanhava...sim, claro ia com outra pessoa e a minha fortuna daí derivava também porque me era prazenteira a sua presença , não falavamos mas tínhamos uma forte comunhão . Quando abri a porta da loja que era de vidro grosso, pesado e abria para fora, a pessoa que ia comigo parou, ficou à porta, não quis entrar, não sei porquê, tive a impressão que me disse: "Vai lá, eu espero aqui! " Senti que estava bem, como se fosse fazer ali dentro qualquer coisa muito importante e inadiável e por isso seria melhor fazê-lo sozinha, tive até a sensação que, à porta, a pessoa me queria guardar ou proteger.
Entrei, dentro da loja a escuridão era total, tentei por momentos habituar-me a ela, e quase às cegas ,segui em frente na direcção do que me parecia ser um balcão. Disse qualquer coisa a alguém que ficou na penumbra e , às minhas palavras, se moveu muito rapidamente. Olhei à minha volta ,distingui coisas lindíssimas, peças de ouro, livros raros, relógios ,sapatos ( adoro sapatos, penso que era isso que ia comprar, sapatos) tudo colocado sobre pequenas caixas rectangulares, muito bem organizado. Havia algo de curioso naqueles objectos , era como se falassem comigo , nas suas vozinhas baixas, no seu linguarejar confuso mas sedutor iam-me enredando numa tão rica onda de desejos que me quedei nervosa sem saber que escolher.A pessoa atrás do balcão já nem existia tinha-se evaporado, ainda articulei: "Não sei que escolher!" Mas já uma voz por detrás do balcão me dizia: "Vamos fechar" Apalpei a sacola das moedas e não senti nada, como se tivessem também elas evaporado, angustiada, dei meia volta para trás, para a porta, mas a voz disse "Não pode sair por aí, só pela porta dos fundos" e eu "Qual porta?" e a voz "Dos fundos" e eu atarantada sem ver nada mergulhei na escuridão por detrás do balcão e saí para o Sol quente da tarde a piscar os olhos, corri a contornar o quarteirão para ir ao encontro da pessoa que tinha ficado à minha espera, corri muito, o quarteirão nunca mais acabava, eram casas e casas e ruas e ruas e quando cheguei à frente da loja já não estava ninguém.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Variações sobre os sonhos II



Turner,1775/1851
Muitas vezes sonho com ondas gigantes, com penhascos e com aqueles ambientes tumultuosos e misteriosos que os quadros de Turner conseguem reproduzir na perfeição. Há um sentimento de ameaça eminente, de algo que aguarda para se revelar mas nunca chega a fazê-lo embora a sua presença se avizinhe. Penso que Turner sonhou isto, não encontro nada ,na realidade física, que se assemelhe.