No meu sonho sentia-me muito afortunada; ia a caminhar por uma rua e , a cada passo que dava,ouvia tirintar as moedas na sacola que trazia, cruzada ao ombro batendo-me na barriga a cada movimento. Na rua passavam por mim algumas pessoas que ao ouvirem aquele ruído me olhavam com curiosidade ou inveja, havia mesmo algumas que paravam e ficavam a olhar . A rua era íngreme e eu tinha de a subir, lá mesmo ao cimo havia uma loja. Abri a porta para entrar, alguém me acompanhava...sim, claro ia com outra pessoa e a minha fortuna daí derivava também porque me era prazenteira a sua presença , não falavamos mas tínhamos uma forte comunhão . Quando abri a porta da loja que era de vidro grosso, pesado e abria para fora, a pessoa que ia comigo parou, ficou à porta, não quis entrar, não sei porquê, tive a impressão que me disse: "Vai lá, eu espero aqui! " Senti que estava bem, como se fosse fazer ali dentro qualquer coisa muito importante e inadiável e por isso seria melhor fazê-lo sozinha, tive até a sensação que, à porta, a pessoa me queria guardar ou proteger.
Entrei, dentro da loja a escuridão era total, tentei por momentos habituar-me a ela, e quase às cegas ,segui em frente na direcção do que me parecia ser um balcão. Disse qualquer coisa a alguém que ficou na penumbra e , às minhas palavras, se moveu muito rapidamente. Olhei à minha volta ,distingui coisas lindíssimas, peças de ouro, livros raros, relógios ,sapatos ( adoro sapatos, penso que era isso que ia comprar, sapatos) tudo colocado sobre pequenas caixas rectangulares, muito bem organizado. Havia algo de curioso naqueles objectos , era como se falassem comigo , nas suas vozinhas baixas, no seu linguarejar confuso mas sedutor iam-me enredando numa tão rica onda de desejos que me quedei nervosa sem saber que escolher.A pessoa atrás do balcão já nem existia tinha-se evaporado, ainda articulei: "Não sei que escolher!" Mas já uma voz por detrás do balcão me dizia: "Vamos fechar" Apalpei a sacola das moedas e não senti nada, como se tivessem também elas evaporado, angustiada, dei meia volta para trás, para a porta, mas a voz disse "Não pode sair por aí, só pela porta dos fundos" e eu "Qual porta?" e a voz "Dos fundos" e eu atarantada sem ver nada mergulhei na escuridão por detrás do balcão e saí para o Sol quente da tarde a piscar os olhos, corri a contornar o quarteirão para ir ao encontro da pessoa que tinha ficado à minha espera, corri muito, o quarteirão nunca mais acabava, eram casas e casas e ruas e ruas e quando cheguei à frente da loja já não estava ninguém.