quarta-feira, maio 31, 2006

Esta é a Magnani

Assim, professores, está na altura de perder a compostura democrática ou covardola e tomar uma atitude.

segunda-feira, maio 29, 2006

Primavera de Tarsila do Amaral
é sempre o raso tom, primavera o segredo
a contaminação do verde
na forma branca do pé
quando passo e não seguro
na verdura
o pote

sexta-feira, maio 26, 2006


Rembrant, pormenor
O'Neill , em Um Adeus português

" Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia a dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à virgula maníaca
do modo funcionário de viver."

O modo funcionário de viver, ainda, cada vez mais, esta terra é a dos poetas e a dos funcionários e, de quando em vez em pleno anacrónico, o poeta/ funcionário. Este que fala do alto da sua sublimidade...este modo funcionário de viver...é assim, foi assim, um poeta funcionário e, ao andar no metro, as meias cheias de malhas nas pernas grossas de algumas mulheres carregadas de sacos plásticos, o olhar sonâmbulo que ao fim da tarde carregamos nós os funcionários do estado, nós os que somos responsáveis pela provável banca- rota das contas, a reforma adiada até à idade da velhice decrépita, o avaro olhar do funcionário no descanso, esse modo funcionário de viver, em frente à televisão a descascar laranjas com pantufas, ou a descascar pantufas com laranjas, não sei já bem e também não muda nada, esse modo roedor de tecer os dias em torno de nada, umas facturitas, até à hora do almoço...
hoje entrou-me na pele, como uma escavadora , uma retro-escavadora ,compreendi no meio do ruído infernal, que sou também funcionária do estado, desse curioso eu colectivo que se desfaz em justificações.É suposto um funcionário indignar-se? Terá ainda, depois de tanto açoite, ganas para fazer aquele gesto do Zé povinho? Arregaço as mangas?
Não, vou apanhar as cascas da laranja do chão! Sim as cascas da laranja...

segunda-feira, maio 22, 2006

na exposição às 4 da tarde

Frida Kahlo, imagem repetida à exaustão em revistas, filmes, livros, televisão. Talvez a pintora que melhor vendeu a imagem. Fotografada vezes sem conta, o seu rosto forte, macerado pela tragédia exibe uma determinação férrea em desafio constante, esse rosto vende mais que o tom obscuro e acriançado da obra. O que íamos ver ao vivo era o testemunho de uma vida de dor e génio, o testemunho de alguém que soube como ninguém fazer das fraquezas força, fazer da adversidade magia. Mas mesmo com estas expectativas mancas, o resultado da exposição atamancou-nos mesmo esse domingo. Quanto tempo estivemos à espera para entrar? montes de T.shirts coloridas em fila, animavam os corredores e as escadas do CCB, nós os "colturais", público ávido de umas migalhas de actualidade cosmopolita nesta cidadela meio rio, meio alfama e meio chinela no pé, nós dizia eu, aguentámo-nos, quê 1hora de pé? Diz-me tu que sabes melhor medir o tempo compartimentado. Talvez uma hora. De pé. Para ver uns quadritos raquíticos de uma mulher bela que já morreu. Comentários? Ai ai (suspiro). Preciso de digerir, talvez uns pasteis de nata , ali na pastelaria do lado, tivessem mais efeito cultural no meu turvo sangue que esta visita ao museu.

sexta-feira, maio 19, 2006

Leonardo da Vinci, A última ceia

O Código da Vinci rodeia este quadro com olhar de lince esfomeado. Reparem como não há cálices em cima da mesa, reparem na figura à direita do Cristo (para nós à esquerda) a figura simétrica da figura de Jesus. Maria Madalena, a décima segunda apóstola, a figura feminina, mulher de Jesus a quem este atribuiria a coroa da linhagem , ou seja, o comando da sua igreja. O ângulo que fazem estas duas figuras na sua disposição no quadro, \/ seria o símbolo do feminino, o cálice, o útero, o Graal, o mítico Graal. A figura simétrica desta /\ seria o masculino.
Interpretação: Maria Madalena seria a eleita, não Pedro, e a Igreja construiu e desenvolveu uma grande mentira. A ideia é bonita. As possibilidades que abre são muitas e fecundas. Como seria uma Igreja feminina?
Uma coisa é certa: O quadro de Da Vinci é superior em candura, em arte, em sabedoria a todos os outros feitos sobre este tema e, Da Vinci, tinha certamente ideias próprias sobre Jesus e Maria Madalena.
Afinal em quem acreditar?
Acredito que Jesus tenha sido um homem excepcional e ela também, uma mulher excepcional. Curioso que haja dois filmes, quase em simultâneo (Abel Ferrara, Maria Madalena e o Código da Vinci) sobre o protagonismo de Maria Madalena como discípula eleita por Jesus para continuar a sua obra . Acredito, é lógico, faz sentido, como faz sentido que o universo seja habitado por outros seres, como faz sentido que a Terra seja um entre vários planetas, como faz sentido que tudo tenha nascido do acaso, como faz sentido ser o divino uma necessidade de transcendência do homem. O que não faz qualquer sentido é a Opus Dei no meio disto tudo - apareceram dias antes a abrir as portas da sua hermética comunidade à comunicação social - nada tenho contra o hermetismo, mas logo agora que o filme estava prestes a estrear?...esta ...religião? seita? ordem? é, no mínimo sinistra e tem semelhanças perigosas com a Mafia, confusão evidente entre o espiritual e o secular, os laços inquebráveis, as perseguições a quem abandona, as lavagens ao cérebro, o tom paternalista do discurso, as formas de autoflagelação...a Opus Dei é o reino do Cilício disso não tenho dúvidas, que haja quem considere uma forma de ajuda espiritual é que me espanta...mas não deve ser apenas ajuda espiritual...ali, outras ajudas devem ser mais aliciantes...ai que blasfemo!

segunda-feira, maio 15, 2006

Sorriso

Tirei o dente. O carrasco que me infernisava os dias...ai viver sem dentes e sorrir ainda, morrer sem dentes e cair em cima de um arbusto de silvas, e sorrir ainda, perder o comboio para o céu e sorrir ainda, ter saudades de tudo e de nada e sorrir ainda, ser despedida, ter contrato a prazo, ser traída e sorrir ainda, estar a ficar cega de todo e sorrir ainda! Bolas! É verdade que hoje devemos sorrir, sempre. Um sorriso é o nosso melhor bom dia e boa noite, quem sorri vive bem , ALIÁS! VIVE MELHOR, tem grandes hipóteses de lhe porem uma prótese para não ter um sorriso desdentado, o que é desagradável e ainda pode ser que seja seleccionada para um "reality show", quem sabe? É muitissimo provável!! Ou para confidente do primeiro ministro, ou mesmo, para fazer de ananás no anúncio da "frise cola"! Foi o teu sorriso que deu o mote dos smiles, é nele que se revê a multidão de comunicadores da net, portanto não há que duvidar, é sorrindo que se põe tudo a andar!
Dizem-se as maiores alarvidades com um sorriso nos lábios, como se fosse tão natural como a sua sede; dizia uma qualquer coisa num programa qualquer: " O problema é que as pessoas se vitimizam...façam-se à vida!" Ela estava a falar de homossexuais, mas também do seu livro "Querida, não me esperes para jantar" . Façam-se à vida! Claro porque a vida já vos fez a ela ou não? Bamos lá fazer-nos à vidinha, com um sorriso a quem falta um dente.

sábado, maio 13, 2006

Cova da Iria. Fátima. São milhares de peregrinos em busca de uma paz, a fé inquebrável só se pode manter mesmo à custa de uma grande ilusão, intangível , ter fé no que é tangível e temporal, ter fé no que é feito do mesmo pó e do mesmo ouro que nós revela-se mais cedo ou mais tarde como desilusão, agora ter fé no que nunca se revela, parece ser fé para sempre, mantemos um amor desmedido na esperança eterna, ou uma esperança eterna no amor desmedido pois a este nível não há contrastes nem nuances, é assim ou não é e, se é , é sempre do mesmo que falamos. Confesso que não acredito no milagre da Senhora de Fátima , respeito o fervor destes milhares de almas, mas pergunto, porque não construímos nós , a esquerda, fervor idêntico? Voltamos à velha questão: é melhor viver de olhos abertos e desesperar ou fechá-los por momentos e deixar-se levar?

terça-feira, maio 09, 2006

Egoístas


Outro dia, um puto, que tem 29 anos mas que eu conheci com dezasseis, e reencontrei agora, numa longa conversa à saída de um espectáculo, ele e a namorada , falávamos de tempo para namorar, (ele não tinha nenhum!!) e a rapariga queixava-se. De repente diz ele com um ar indignado e perfeitamente convencido: " Se já tivesse filhos como é que ia acabar o mestrado? Nem pensar!". Pois é, e as maternidades fecham, vão ser reutilizadas para doenças cardiovasculares. O pessoal prefere trabalhar a namorar, tirar mestrados a ter filhos. Que raio de geração é esta? Chamo-lhe a geração egoísta e podem-me cair todos em cima que eu aguento. Egoístas. Geração de egoístas! Moralmente mentecaptos, escravos do ego inchado! Geração da qual eu também sou parcialmente responsável, mas agora é tarde demais para "emendar a mão".

domingo, maio 07, 2006

A Gaivota

Anton Tchekov, A Gaivota, Teatro da Cornucópia, Enc. Luis Miguel Cintra,Maio 2006

TcheKov escreveu-a com 36 anos, na sua casa da aldeia de Melikhovo, perto de Moscovo, em 1896, a sua primeira representação foi um fracasso, a segunda,dois anos depois, pelo Teatro de Arte de Moscovo um sucesso absoluto. Hoje esta peça continua uma paixão, para mim, a paixão. Já a representei, encenei, vi. Algumas das suas falas ecoam insistentes na memória e quando as digo ganham sentidos desconhecidos, assim como cada vez que a vejo as personagens são sempre outras, não aquelas que na imaginação respiram, pois esta história nunca se deixa tomar pelas suas interpretações, apesar de a renovarem nunca a esgotam, nunca os actores são as personagens, a Rita Durão não é a Nina, embora o Sorin do Luis Miguel Cintra esteja perto da perfeição, tão perto, diria êxtase absoluto, as mãos a voz, a expressão, o corpo, de todos os Sorins este é o maior! É certo que os actores dão emoção e vida às personagens mas estas continuam por desvendar, fugindo nos seus medos, nas sua fragilidades, ali, na sombra, manancial de inspiração para tantos actores e encenadores que lhes querem desvendar os segredos, querem possuí-las definitivamente. Talvez que o mistério desta peça não se revele no texto, mas na muda relação entre as personagens, no modo como sofrem uns nos outros a presença sem jamais a verbalizarem. Amores que não se compreendem, vidas que não se dominam, insatisfação contínua, sofrimento e latejar de horas. Movimento interior constante, exterior parado. Contradição, querer e não querer, ser e já não ser, pensar e envergonhar-se logo de seguida, levar-se a sério e rir-se de si próprio, a todo o momento, quão irrisório tudo se manifesta.

Se quisesse dizer de que trata a peça, se quisesse eleger um ponto de vista, uma ideia, iria fracassar, várias linhas se cruzam, sem graus de importância, aliás parafraseando o Luis Miguel Cintra, tudo em TcheKov tem importância, coçar o nariz, matar uma gaivota, escrever um livro, pescar, é tudo vida, corre, sem simbolismos, com amor às personagens às suas futilidades e do mesmo modo às suas grandezas. Do amor e da vida, da falta de amor e do seu excesso , ausência e excesso, sem medida certa, mas também sem fúria, com a resignação dos inevitáveis, cada um está preso no seu inevitável e sabe disso, da sua natureza e também das suas circunstâncias, não se lamenta nem se revolta, vive como sabe e pode. Também da Arte, esses quatro artistas, dois escritores e duas actrizes , rivalizam nessa luta que não sabemos se pelo amor à arte, se pelo amor do outro, compreendem, e nós também, que a vida é sempre maior que a arte mas esta é a qualidade superior da vida.

E tenho de voltar a escrever sobre isto que me dá ganas de não conseguir dizer quase nada. Pois é mesmo assim. É mesmo assim. " Se um dia precisares da minha vida, vem e leva-a."

sexta-feira, maio 05, 2006










O Que Será,Que Será

O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas?
Que andam sussurrando em versos e trovas?
Que andam combinando no breu das tocas?
Que anda nas cabeças, anda nas bocas?
Que andam ascendendo velas nos becos?
Que estão falando alto pelos botecos?
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza.Será, que será.
O que não tem certeza, nem nunca terá?
O que não tem conserto, nem nunca terá?
O que não tem tamanho?

O que será, que será?
Que vive nas ideias desses amantes?
Que cantam os poetas mais delirantes?
Que juram os profetas embriagados?
Que está na romaria dos mutilados?
Que está na fantasia dos infelizes?
Que está no dia a dia das meretrizes?
No plano dos bandidos, dos desvalidos?
Em todos os sentidos.
Será, que será.
O que não tem decência, nem nunca terá?
O que não tem censura, nem nunca terá?
O que não faz sentido?

O que será, que será?
Que todos os avisos não vão evitar?
Por que todos os risos vão desafiar?
Por que todos os sinos irão repicar?
Por que todos os hinos irão consagrar?
E todos os meninos vão desembestar?
E todos os destinos irão se encontrar?
E mesmo o Padre Eterno,
Que nunca foi lá,
Olhando aquele inferno
Vai abençoar
O que não tem governo, nem nunca terá?
O que nao tem vergonha, nem nunca terá?
O que não tem juízo?

O que será que será.? Que não tem vergonha, nem nunca terá, que não tem governo nem nunca terá, que não tem juízo?
Está dito, tudo, nem uma vírgula podemos tirar, é perfeito.


quarta-feira, maio 03, 2006

hoje

Hoje reenviei-me com data de recepção. Lá fora também havia ruído, mas porquê ruído? eram passarocos, grandes com bicos afiados, em debandada sobre uma peça de carne de vaca que alguém atirou por ter expirado o prazo de validade. quanto à verdade, deviam fazer as palavras marcha atrás como tu naquele parque de estacionamento e mudarem de atitude, chegarem-se pra perto, em bicos de pés sussurrarem. mas estava a contar que me reenvieei com data de recepção, a serventia por aqui tinha acabado e decidiu-se que em prol da produção e da eficácia nos pusessem em embalagem de correio e assim cegos e mudos nos metessemos a nós próprios no correio para evitar despesas de envio. ainda não chegámos, neste momento devo estar algures na fronteira do Kazaquistão, acho eu.Para onde vou? Não vi o autocolante, já estava metida lá dentro, bem dentro. Tenho ainda a relatar que hoje o dia foi calmo, não houve greves, os turistas não saíram à rua por causa das ameaças de bomba (mas já avisaram que vão sair amanhã, doa a quem doer) o vaticínio dos comentadores desportivos aponta céu limpo e grandes descargas de restos (que quererão dizer com isto?)
Essa coisa, limpa, que gravita à volta do corpo, essa imensa atmosfera de equações matemáticas que nos interroga, essa mesma coisa absorta e mansa resvalando por dentro da respiração, enevoando o sonho, pode ser que seja, embora não acredite. Mesmo o restolhar do silêncio, mesmo esse, não produz nenhuma gargalhada e, assim, o preço de entrada na casa do conde será ficar de fora.