quarta-feira, março 28, 2007

teatro


O dia do teatro, bilhetes à borla, sala cheia, muita gente nova.O Teatro. Para quem o faz é um mundo muito pequeno, familiar e aconchegante, para quem o vê, agora, é a exigência de universal, que nos toque na alma e se nos entranhe no sangue, uma entoação, um gesto, uma pausa, um movimento, um olhar que seja, a cumprir-se como se viesse de tempos imemoriais, como se fosse o primeiro. Um filme medíocre , suporta-se, teatro medíocre não. Não dá para continuar a ver, por piedade para com aqueles que, ali em cima, no palco, se enganam. Sei o que isso é, fecho os olhos e espero que não dure muito.O sofrimento meu, por eles.Está certo que nem todos alcançamos a sublimidade, há graus , mas o pior é a pretensão, a pretensão que o Teatro medíocre tem, aliás não pode deixar de ter porque se trata de desnudar sentimentos, área de uma fragilidade esmagadora onde um pequeno pormenor pode manchar de cuspo o que era somente respiração ofegante. Pois sendo o teatro a arte da máscara, o drama moderno inverte-a, tira-a, vai tirando as máscaras, o que está lá por trás tem de ser poderoso, quando não é...é só doloroso...pura piedade.Não. Não podemos. É melhor voltar às máscaras e enfiar coturnos nos pés, que venha de novo o actor comediante e ícone, que se inscreva para lá da dimensão do estritamente humano senão é melhor ver novelas, meus caros.

segunda-feira, março 26, 2007

sábado, março 24, 2007

Com sentido

Gustav Klimt, Life and death
Engraçado que a palavra "consentido" e a conjunção "com sentido" tenham não só a mesma sonoridade como parece que a primeira é formada da soma da outra. Se derivássemos um pouco poderíamos talvez supôr que consentir e dar sentido seriam semelhantes, teriam o mesmo significado. Consentir é mais permitir, admitir , aceder, revela uma espécie de abertura e de pacto com alguma coisa que se nos revela. Quando consinto deixo que...daí que dar sentido possa daqui derivar, de um consentimento, de uma permissão. Mas de quê?

Numa dessas noites por aí a cear até largas horas e a discutir...falava-se de sentimento religioso, religare, ligar a...éramos três, um de nós demarcava-se: "não, não tenho qualquer sentimento religioso", nós (em quem se vislumbrava ainda uma réstia de sentimento religioso) insistíamos que não é da ordem da argumentação essa afinidade que nos liga uns aos outros e que não há razões que a sustentem, ele insistia que não...mais à frente na discussão sobre o sentido da vida, ainda a negação, não, a vida não tem qualquer sentido. Para nós sim.

Será que a questão do sentido implica um consentimento tácito? Deixarmo-nos tomar por uma espécie de sentimento religioso que é alheio a razões? Ou será que a língua portuguesa continua a estar curiosamente estruturada nestas conotações religiosas?

quarta-feira, março 21, 2007

às vezes

Às vezes é preciso abandonar estas coisas
a si mesmas,os papéis, as figuras,as palavras
as coisas que havemos de esquecer.
Às vezes é preciso entregar os nomes ,assim
para não envenenar as coisas sem nome
e caminhar com os pés , as mãos os olhos e a boca
soletrar
inventar uma praceta de pó
um olhar de lince
uma barra de fome
ou nada enfim um cerco
uma linha que passamos sobre os ombros
a delinear os teus ombros e a avançar
como um barco mergulhando no fundo

começar
abandonar estas coisas
a si mesmas
mas nunca te abandonar

segunda-feira, março 19, 2007

Básico

A minha gata às vezes anda às voltas a tentar apanhar o rabo, depois de enrodilhar tudo à volta das patas e não conseguir nada, fica tonta e pára. Deita-se. Chamo-lhe "tresloucada". Ela olha para mim indiferente ao conceito, atenta ao tom, o tom marca a diferença entre: Devo aproximar-me ou é para me pirar daqui rapidamente? Se disser "tresloucada" como quem diz "Querido bicho" ela mia um pouco e roça-me as pernas, mas se disser " tresloucada" como se dissesse "Raios partam o bicho!" foge a esconder-se. Ok. Moral da história. Nós, os bichos vulgarmente apelidados de seres racionais, somos também à flor da pele, inscritos num movimento rápido entre atracção e repulsa que é muito bem disfarçado pelo correcto comportamento social...diria disfarçado mas não controlado, está lá, a linguagem das vísceras, atracção e repulsa. Básico. Simples.Autêntico.O resto é inclinação para a sentimentalidade.

quinta-feira, março 15, 2007

Centro

No centro está o coração. O coração está para o resto do corpo e para a nossa experiência futura como a baixa histórica da cidade está para o que depois dela se expandiu em casas e rotundas, em jardins e bairros.A Marca, o início, a identidade e coloração do que futuramente irá ser. Às vezes entre o centro histórico e o resto da cidade não há afinidade, e a periferia esmaga o centro, outras vezes o centro foi mexido, reestruturado, descaracterizado para se ajustar às exigências do actual e aí deixa de existir a marca, é tudo o mesmo, e perde a identidade. No melhor dos casos, o centro mantém-se e respira, torna-se recurso, refúgio para onde vamos , sempre que à volta impera o caos.

domingo, março 11, 2007

Crónica das Américas 4 - O mar

recorte da costa a seguir à praia de St Mónica
Falemos de costas, a do Pacífico, alguns afirmam que este mar não tem o mesmo cheiro a maresia do nosso Atlântico. O nosso Atlântico de falésias recortadas e mar revolto não tem par neste mundo. Levo-te mar, um bocadinho debaixo do braço para onde quer que vá, vais também,e vigoras .Ao som das tuas ondas as palavras atordoam-se e perdem-se num eco de melancolia e esperança. Se reconheço na América um continente de gente determinada e forte, reconheço nosso o país da melancolia , de poetas, de fragilidade e coragem. Não, não, mar como o nosso ainda não encontrei.

quinta-feira, março 08, 2007

Crónica das Américas 3 - O deserto

Deserto de Mojav , Joshua trees
Deserto de Mojav , Califórnia


o nosso pequenino mundo sobrevoando adormecido o espaço plano e infinito.

segunda-feira, março 05, 2007

2 Anos!

2 anos depois de "Oh !Minha Saxe! Meu bosque de Salgueiros!"Rimbaud imaculado! 236 textos depois, O SAXE inclina-se sobre a sua ternura, sobre as suas dúvidas, sobre as suas convicções, desvarios, dores e alegrias! Que se cumpra! Mais um Ano! Para todos os que aqui vieram, para os que continuam a vir, a minha gratidão!

Crónica das Américas 2 - San Francisco


"For those who comes to San Francisco be sure to wear flowers in your hair..."


A expectativa de chegar aqui era muita, muita a emoção, San Francisco era ainda o ícone daquela juventude louca que dançava pelas ruas em coloridos trajes, de cabelos soltos e ar selvagem e pacífico. A nossa veia "hippie" ainda ecoava num escaninho secreto da alma já misturada com o cepticismo próprio dos anos seguintes em que a imagem tinha sido associada a uma certa loucura e irresponsabilidade que nada tinham de edificante. Não importa , pensámos, é San Francisco, alguma coisa do cheiro desse inconformismo teria resistido trinta anos no ar. Não os vimos, os "hippies" agora usam fato ou instalaram-se comodamente a ver um dos setenta canais americanos disponíveis nas Tvs, mas esta cidade tinha também o mistério da ponte, aquela igualzinha à nossa, os eléctricos e as colinas, e isso ficou, a morfologia fica, agora com outras ideologias a passearem-se nessas ruas que vão ter ao mar, subindo e descendo. Há mar por todo o lado em San Francisco e o sabor de um certo requinte e de uma certa cultura liberal sobrou para nos render.




Chinatown, Market, Castro, aqui bairros e ruas têm as mais variadas origens e são habitadas por pequenos teatros, lojas que vendem peixe seco , livrarias com espectaculares exposições de fotografia, cafézinhos com pintura, e cinemas de filmes eróticos hetero e gay. A diversidade e a cor foi a marca que os "hippies" deixaram, com o inegável e visível traço de que, de facto, em cada esquina que dobramos pode acontecer qualquer surpresa, uma americana que conhece Lisboa(mas não conhece as virtudes da depilação!) afirma com ar entusiasmado que a língua portuguesa é a mais bela, duas raparigas que passeiam abraçadas pelas ruas, o empregado de restaurante mandando piadas sobre a capacidade de um casal de homens (um muito velho e outro muito novo) "dar cabo" de uma enorme salada, e chamem-me "americanizada" mas respira-se liberdade...exagero? Maybe, maybe!

sexta-feira, março 02, 2007

Crónica das Américas 1 -Los Angeles

Los Angeles da varanda.
Westwood.

Não podia deixar de pensar que a paisagem à minha frente situava-se a 14 horas de avião e que possivelmente não a voltaria a ver. Para além desta primeira impressão tão desvairada e tristemente subjectiva, tudo me parecia novo e sem relação com filmes e outras imagens da América, havia uma espécie de caos, desarrumação de pessoas e casas, onde se mistura o pré-fabricado com o arranha-céu, a loura platinada no Porche com a negra vagabunda com sacos de plástico, e, ao mesmo tempo, a evidência que tudo funciona, não há crispação, as pessoas são prestáveis e afáveis e ,se há problemas, resolvem-se. Aguarda-se calmamente nas filas, anda-se calmamente de carro, mas, chega-se, faz-se, cumpre-se. Descomplica-se.Respira-se o ar, meio mítico de que aqui tudo é possível, que se quisermos muito qualquer coisa, ela realiza-se.Ai o velho Oeste! Informalidade total, no tratamento, na forma de vestir, na forma de se comportar e uma misturada de raças, de línguas de bairros.
(Nos estúdios de Hollywood ficámos à porta, 60 dólares é forte! Fora os 20 dólares do parqueamento ! )

Fotografia 2 - Hollywood , Estúdios Universal