terça-feira, abril 26, 2005

E a nave vai



"E LA NAVE VA" Federico Fellini, 1983

E a nave vai

Continuando, o cinema italiano e Fellini "E la nave va", um retrato de como por cá vamos no pós 25 de Abril, com liberdade mas sem que ela seja saborosa como voo planado; é mesmo apenas uma liberdade , qual rinoceronte, um conceito inerte que nos pesa. Assim tenho a dizer: Liberdade é alternativa, todos poderem usufruir dos mesmos direitos mesmo que optem por não usufruir deles; todos poderem casar, mesmo que não queiram, todos poderem ter trabalho, mesmo que prefiram vadiar, todos poderem votar mesmo que votem em branco, todos poderem sair do barco, descansar ou comer tremoços, sem que isso implique o naufrágio do barco e a morte do rinoceronte. Afinal, nem todos podemos e nem todas as coisas podemos, logo é preciso remar...remar e sonhar que um dia o rinoceronte terá asas.

No chão



Esta é a fotografia que devia acompanhar o post do chão. Fotograma da cena do fuzilamento da mulher, pelos fascistas, à queima roupa, o filme é" Roma cità aperta" ela é a Magnani e o autor Rossellini. Roma não estava aberta, ela tem umas meias esburacadas e no chão é a imagem da impotência e da inocência. E estas truncagens de imagens são de gritos!

sexta-feira, abril 22, 2005

Ana Magnani, e Roberto Rossellini


Aqui estão eles, ao sol, não bebem Chianti mas Champagne, parecem felizes.Uma parceria luminosa, os filmes que fizeram juntos. Ela não tinha certamente as meias esburacadas da foto abaixo...acima

segunda-feira, abril 18, 2005

No chão

Roberto Rossellini, Roma città aperta, 1945

Ela, saía a correr atrás do carro dos fascistas que lhe levavam o homem,o carro distanciava-se ela não parava de correr, eles dispararam, ela pelo chão, em Roma 1945, uma cidade sitiada, ela chamava-se Ana Magnani e ninguém esquece que nos filmes também se morre.Assim, à traição, um corpo por terra,um corpo que se larga,como se larga na guerra o lastro da revolta.

domingo, abril 17, 2005

Coisas banais

Vivemos em coelheiras, 20 metros quadrados, betão à frente, atrás,dos lados protege-nos e esconde-nos, ainda betão a vista pela janela, uma nesga de mar, muito envergonhada, um carro na garagem, sofá, tv, microndas(será que a palavra tem dois oos? curioso como esta palavra se diz tanto e se escreve tão pouco) às vezes um corpo de mulher, braços estendidos , assoma a uma janela e coloca um lençol esvoaçante no estendal das traseiras e percebe-se que tá por aí alguma vidita, ali ao lado pelas traseiras, mas de resto é tudo dentro do betão que se passa, não dou por nada a maior parte das vezes, não dou por que exista qualquer tipo de vida olhando para as fachadas dos prédios, o mesmo se passará com os outros, todos nós enfronhados nos nossos movimentos diários, de fazer e desfazer coisas de um lado para o outro.
Tenho devaneios com o verde das árvores, com crianças brincando nas ruas, com conversas de pessoas às janelas, como na infância, com a bicicleta no jardim, tocar à campaínha da vizinha da frente para irmos para a escola, com as brincadeiras no muro , empoleiradas a cantar canções mexendo apenas os lábios enquanto as outras miúdas tentavam adivinhar e (quase sempre) não conseguiam.
Passam carros nas ruas, dentro dos vidros, mãos agarradas no volante, oiço Euritythmics, "when tomorrow comes". Amanhã será assim? Estarei aqui a bater teclas sobre o verde das árvores e as vizinhas, coisas curriqueiras ...banais...e se falasse antes da separação do átomo?
Esta história de estar aqui a escrever parece-se um bocadinho com a recordação da conversa com as vizinhas...uma janela pra conversa.

quarta-feira, abril 13, 2005

Compreensão


King Vidor " The Crowd"
Sempre me surge na memória uma frase, uma frase como tantas outras, ditas por alguém por quem nem sequer nutrimos especial simpatia. "Era considerado um louco, fui até internado, até que encontrei uma pessoa que finalmente me compreendeu, quando isso aconteceu, como por magia deixei de me sentir louco e deixaram de me julgar como tal." Secretamente o nosso anseio dirige-se para essa possibilidade: ser reconhecido na sua incompletude; com as suas arestas , os seus escaninhos,no côncavo e no convexo do seu ser individual.
Parece não ter importância alguma essa dor permanente que sentimos, essa atmosfera de nevoeiro onde nos movemos quando ninguém nos parece compreender e aceitar. Reagimos aceitando o facto como não tendo importância, ou rejeitando os outros,ou mesmo revoltando-nos contra a indiferença social que parece simpática para a mancha humana e incapaz de se articular em nichos seguros de amabilidade e benevolência, mas a dor é uma bala na culatra, pronta a disparar, pronta a projectar-nos no fim ou no princípio,pois ora queremos morrer visto que ninguém se importa verdadeiramente com isso, ou queremos nascer de novo para alterar tudo. Hoje andava à procura de uns óculos e deparei-me com uma infinidade de oculistas , tinha muito por onde escolher, para melhorar a visão a sociedade de consumo esmera-se, mas "TODAVIA PORÉM" os que por lá andavam no centro comercial pareciam nada ver. A cegueira é mesmo aquela de quem não vê o que está ali perto, o outro, aquele que é preciso ver, com aqueles óculos da compreensão , os olhos da inteligência e do afecto. Com tantos óculos,não temos desculpa, e muito menos perdão.