quinta-feira, julho 26, 2007

verdade


Acredito que a verdade salta no meio das conversas, dir-me-iam que é uma pretensão inútil a verdade, pois sobre cada um ou cada coisa há muitas verdades e eu diria que sim.

A Alicia hoje ao jantar: Sabes Helena, sonhei contigo! ah ! conta, disse eu, e ela começou a rir, sonhei que estavamos na nossa casa da Costa e tu estavas lá, eu tive que ir ao frigorífico buscar a gelatina e quando cheguei cá fora tu tinhas morrido...ninguém chorou, enterrámos-te na mala do carro, foi assim o teu enterro.

Bolas Alicia! pensei eu, assim? Ninguém chorou...na mala do carro...

O jantar continuou, eu sentada à mesa a matutar, que quererá isto dizer, seja o que for, pensei, é triste.

Se fosse um adulto entrelaçaria conjecturas mas era uma criança, há uma verdade na voz das crianças, pressinto-a mas não a sei conceptualizar. Que morro cada dia e morrerei, sim, inesperadamente. Tens razão Alicia, não há que conjecturar.

sexta-feira, julho 20, 2007

esperança

Esta rua é a de uma aldeia portuguesa, não há ninguém, mas podia haver perfeitamente, podia mas não há. Há só portas, janelas, empedrado, muro.
Arrisco na esperança. Mete-se pelos olhos adentro que é preferível. Arrisco o preferível, e sei que estou a arriscar.Só não sei se a esperança é da ordem da vontade e ,portanto, da escolha ou se é da ordem do ser. Quem tem esperança somos nós os seres racionais, situamo-la como um valor, daí o ter ou não, claro que a esperança é um valor positivo e a desesperança negativo mas é mais que um valor, é uma forma do ser se manifestar, sendo que desesperar envolve também ele uma forma de ser, logo, abrange tudo, não só o facto sobre o qual podemos ou não ter esperança. Não a podemos, contudo, afastar dos factos visto que são eles, na sua sucessão que nos alimentam ou não a esperança, sendo que graças a eles podemos cair na desesperança.
Hoje há uma mania insidiosa de atribuir à subjectividade todo o valor. Discordo. Se Sísifo pode ou não ser feliz ao empurrar a pedra eternamente para o cimo da montanha, nada tira à sua situação miserável e desesperante. Ora...não digo mais, porque seja qual for a nossa capacidade de ter esperança, ela por si não é infinita e se o for contra todos os factos então somos burros e entre ser feliz e burro ou desesperado e lúcido...arriscar a esperança mesmo contra os factos é nobre se e só se não implicar ignorância ou vontade de ignorar, daí ser uma atitude que comporta um risco, e que não o pode ignorar.

quarta-feira, julho 18, 2007

Uma gaivota,voava, voava

Mais umas gaivotas a voar, repetitivo não é? Bem mas esta fotografia é mesmo minha, (daí não estar grande coisa!)que isto de andar a roubar fica mal, não sei...roubar fotografias...é assim como roubar sardinheiras do vazo da vizinha para plantar no nosso...acho que definitivamente serei perdoada... ( não gosto de ironizar com o perdão) tive de ser posta na linha porque adoro pisar o risco, quando pisamos o risco agitamos as águas...vale, uma mão lava a outra...

domingo, julho 15, 2007

Foto de Adriana Silva Graça

" Com que posso prender-te?

Ofereço-te ruas estreitas, poentes desesperados, a lua dos subúrbios miseráveis.

Ofereço-te a amargura de um homem que olhou durante muito e muito tempo para a lua solitária.

Ofereço-te os meus antepassados, os meus mortos, os fantasmas que
os vivos honraram no mármore: o pai do meu pai morto na
fronteira de Buenos Aires com duas balas nos pulmões,
barbudo e morto, embrulhado pelos seus soldados numa pele
de vaca; o avô da minha mãe - com vinte e quatro anos -
encabeçando uma carga de trezentos homens no Peru, agora
fantasmas em cavalos desaparecidos.

Ofereço-te quaisquer visões que os meus livros possam conter,
qualquer bravura ou humor da minha vida.
Ofereço-te a lealdade de um homem que nunca foi leal.
Ofereço-te esse núcleo de mim mesmo que guardei fosse como fosse
- o coração central que não lida com palavras, não negoceia
com sonhos e é intocável pelo tempo, pela alegria, pelas
adversidades.
Ofereço-te a memória de uma rosa amarela vista ao pôr do Sol, anos antes de teres nascido.
Ofereço-te explicações de ti, teorias sobre ti, novidades autênticas e
surpreendentes a teu respeito.
Posso dar-te a minha solidão, a minha obscuridade, a fome do meu
coração; estou a tentar subornar-te com a incerteza, com o perigo, com a derrota."


Jorge Luis Borges, Dois poemas Ingleses


domingo, julho 01, 2007

buracos

Sol LeWitt, 1929/2007. EUA


Há coisas que abrem um buraco no peito dos homens, um buraco onde podemos ver perfeitamente passar pessoas, carros, auto- estradas. As nuvens no céu, atravessam-no sem qualquer pudor, como se a carne fosse uma fina membrana, um recorte delimitando a figura.A verdade é que esses buracos não nos tornam invisíveis mas apenas seres trespassados, caminhando todavia, admirando-se de ter pés e pernas que se movimentam e olhos que vêem, mas há sempre um ligeiro desconforto, uma contínua corrente de ar, como se tivessemos a porta e a janela aberta e por ela passassem os pássaros, as folhas das árvores e toda uma série de coisas arrancadas ao ar. Os homens de corpo inteiro fazem obras definitivas, com gestos que cortam a eito e da sua boca saem palavras que lembram silvos. Os outros, aqueles a quem através do peito podemos perfeitamente ver o céu e a linha do horizonte ou mesmo quem vem vindo a correr e salta como acrobata pelo buraco, esses, andam no meio dos outros , a diferença achamo-la na forma como deslizam, como se não oferecessem resistência.