domingo, março 30, 2008

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O Amor nos tempos de cólera

Giovanna Mezzogiorno é Firmina Daza
Esta é a história de um grande amor, um amor que resiste ao tempo e às contrariedades, aquele amor que a literatura sabe e pode dar sem mácula, alimentado por uma certeza quase demente, sem provas, sem contingência, todo imaginação e vontade. Florentino Areza espera 51 anos por Firmina Daza na esperança renovada dentro de si de que ela será sua pela simples razão de que ela o tem, absolutamente, preso, desde o primeiro olhar. A eloquência de um amor assim faz-nos sonhar. Sonhar que é possível, mesmo que o seja apenas na imaginação. A fragilidade da vida, a sua fugacidade ou imperfeição impõem à consciência uma fuga, para os espíritos idealistas não é uma fuga mas a verdade, haverá, tem de haver, só pode, ela pertence a este mundo mas está guardada no íntimo de Florentino e de Firmina, essa força que para além deles se mantém viva. Lembro-me de Kierkegaard, da sua defesa da subjectividade como única realidade. Na subjectividade não há tempo, só instantes eternos e intensidade.
Vale o filme pela beleza desta actriz, pela magnífica história e, que me perdoem, mas o realizador não tem bem a noção do que este filme poderia ter sido se fosse outro, que não ele, a realizá-lo, talvez o Minghella ou arriscando... que tal o Nicholas Ray com este material?

sexta-feira, março 28, 2008

membrana

Andamos a apanhar ervas daninhas, à força de andar desenhamos caminhos , paramos para beber água e já não damos com o trilho, cresceu tudo no centro e em redor, de modo que o melhor é cantar.
esperar que volte
o milagre da geometria

Se o ritmo do caos for proporcional ao desejo de ordem, ou se o desejo do caos for proporcional ao ritmo da ordem. Há naturezas que se batem sem sossego à beira do desequilíbrio cientes que um pequeno gesto pode romper a ténue membrana que separa o ser razoável do completamente louco
. Naturezas em que as ervas crescem mais rápido que o andar.

sexta-feira, março 21, 2008

a fonte

A fonte, Duchamp


Há guerra. Massacre. Injustiça.Bombas. Sofrimento atroz em todo o lado do globo. humanidade.com, é um endereço inexistente, apagado. Petróleo.com. A garganta do inferno. Economia. Milhões.A Igreja e a Páscoa, a Igreja e Cristo. A Igreja e os Hóteis.Os Hóteis e os Santuários. Tudo isto faz sentido para alguém, gostava que me dissessem para quem.

segunda-feira, março 17, 2008

Para todos

A expressão "tenho para mim "poder-se-ia opôr à expressão "não tenho nada para mim". A primeira é bem apessoada, a segunda restolho, saraivada de vazio. Quantas vezes o Tony Carreira diz "mim"em cada um dos seus impecáveis fatos Armani?e "ti"...o aquário romântico, dizem, os peixes poderiam cantá-lo, bem, muito bem mesmo mas se calhar não dava para encher o pavilhão Atlantico, e o Oceano é muito mar para tão pouca pesca. "Tenho para mim", outro dia em Fátima, ao ver tanta gente num novinho santuário tipo pavilhão Atlântico, que o Cristo, aquele que lá puseram, parece um maratonista com doença pulmonar apanhado pela cruz, e que coitado fica a meio da maratona, não acabou a prova, até parece perguntar: "Não têm mais nada para mim? Só isto?" Que se passa neste país? Será que a multidão não se cansa do mau gosto? Ou o mau gosto persegue a multidão?

quinta-feira, março 13, 2008

MANAS (atenção à leitura! não vá haver confusões!)


A minha irmã faz amanhã 51 anos. Bela idade! ( exclamação tola porque são belas todas as idades, mas quando nos deixamos levar pela emoção é o que dá!) Então, este ano, nem sei bem porquê sinto uma espécie de ternura infinita por essa rapariga com quem passava horas na brincadeira e que, em quase tudo, é diferente de mim. O que nos une aos irmãos, ao pai e à mãe? Acho que nada tem a ver com sangue mas sim com presença, são pessoas que sempre estiveram presentes e com as quais sempre contámos. São cúmplices, não dessa cumplicidade feita de compreensão, mas uma outra cumplicidade aquela que se engendra a partir do corpo, da história, da vivência repetida e em diferentes circunstâncias. O facto de não escolhermos a família que temos é, no meu ponto de vista, decisivo para o amor que lhe temos, porque esse amor está marcado por um laço inicial de necessidade que se alarga com o tempo até ser o horizonte de tudo quanto vivemos , por isso está em nós, é inseparável da nossa intimidade afectiva. Isto não significa que temos de estar sempre com eles e viver em função deles, pelo contrário, só os podemos verdadeiramente amar quando a necessidade se transformou, quando por sermos independentes podemos sentir de forma livre este amor.

À tua, mana! (de novo, atenção à leitura!)
Foto de Louise Dahl, Twins at the beach

segunda-feira, março 10, 2008

Marcha da Indignação

Foram 100.000 a sair à rua. É caso para perguntar: Onde estavas tu no dia 8 de Março de 2008?
Foi uma manifestação ordeira apesar do imenso caudal de gente, não se exigiram cabeças, o que é sem dúvida um sintoma de civismo, mas a ministra com ar seráfico manifestava-se em gabinete: "Que não cedia" a imagem era tão bolorenta e salazarista! Mas não cedia o quê? Agora minha cara perdeste o protagonismo, já não interessa o que dizes ou fazes, agora só interessa o que nós professores vamos fazer!
Esta ministra não merece o povo que tem! E sem dúvida que o povo merece melhor!

quarta-feira, março 05, 2008

3 Anos

O Saxe faz hoje 3 anos. Para vida de um blog , tanto quanto me é dado reparar por outros blogs, é adulto, eufemismo de velhote, ou seja é um blog já com muita tralha. Começou sob o signo de Rimbaud, "Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. - Et je l'ai trové amère. Et je l'ai injuriée." Andou sob muitos outros signos, e,se agora tivesse algum onde ancorar diria que é Tchéchov, este autor quase fado. Percorro as linhas do vento, ondeio, e ele vem parar-me às mãos incautas a perturbar: leia-se o conto "Deportados", um conto à beira rio na Sibéria. Vontade de nunca mais alinhavar discurso, pois escrever assim deixa qualquer um à margem do rio das palavras, atirados para o lodo, chafurdando. Nada mais distante de Rimbaud que Tchéchov mas naqueles dois homens à beira do rio, o tártaro que chora por estar longe da família e Semion que repete, enquanto os cães uivam "ele acostuma-se", Semion o calejado, há uma dor, uma dor mastigada, e uma arrogância, a mesma da frase de "Mauvais sang" ou então sou eu a tentar explicar o inexplicável!
Histórias à parte, brindo ao Saxe e aos seus comentadores com uma frase que hoje uma amiga me ofereceu num livro, em jeito de dedicatória: " Eu sempre soube que poetas não são gente em quem confie uma senhora!" Jorge de Sena

Tá tudo dito e tá tudo convidado para um copo !!

segunda-feira, março 03, 2008

sequência

Hoje a Alícia enquanto me dava aquela mãozita grossa e macia que ela tem: Tás muito distraída! Ouvi a sua voz muito ao longe perdida no eco das berrarias dos putos no recreio e voltei ali, olhei para ela, e não sei porquê, aliás sei mas prefiro não saber, apeteceu-me protegê-la. Quando esperava no recreio encostada a um muro, que ela fosse buscar a mochila, vi dois putos entre gritos entusiasmados a darem pontapés na barriga de uma miudita ruiva que ao princípio ainda tentou defender-se mas depois desistiu e ficou ali a levar, contendo as lágrimas. Moral da história: quem foi o psicólogo ranhoso que começou a pregar que uns puxões de orelhas fortes não são o melhor remédio para situações como esta? Tragam-mo numa bandeja que dou início ao ritual de antropofagia 2, filme para adultos.