Trouxeram agora a notícia de uma múltipla morte , no fundo apenas dois homens que morreram simultaneamente, velhos, esgotando lentamente, num fôlego profundo, o oxigénio que nos permite a todos respirar melhor.A sua morte simultânea tem um quê de simbólico e trágico, afigura-se-nos como o virar da página de Portugal e deste século, o fim de uma geração de homens que acreditavam na partilha, no solidário, nas palavras e nos grandes sentimentos, esses que não têm fronteiras nem tempo.Um poeta e um político, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal. Vivi com eles, ao seu lado, em vários momentos me iluminaram, me fizeram pensar e confiar um pouco mais na infinita possibilidade que a cada um de nós cabe de mudar o curso das coisas com a força e a clareza das nossas ideias. Atiro-me aos livros do Eugénio,tiro-os da estante antes que o vento do tempo esgotado pelo corpo os leve mas não devo temer, estas palavras ficam, ficarão, não há morte que as apague. Aqui estão e para sempre."Urgentemente
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É urgente o amor
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer."
Eugénio de Andrade, Até amanhã, 1951