domingo, abril 30, 2006

Passa aí o Château Lafitte! Bebe-se ao redor da bebida, bebe-se a vida. Bebe-se ao invés de chorar, bebe-se julgando amar. Bebe-se a coragem e bebe-se na aragem, bebe-se sem palavras, bebe-se para a frente, bebe-se na corrente, bebe-se enfim e no meio e bebe-se a Maio e bebe-se a tocar e bebe-se a jogar, bebe-se no Alentejo e bebe-se a acompanhar o cortejo, e se não beber não há-de...
Não, não estou a ficar louca, nem nua, nem minha, nem tua! Continuando...
Bebe-se ali e aqui, bebe-se ao crepúsculo, ao marisco e às vezes, mas raramente, bebe-se somente...

quinta-feira, abril 27, 2006

Pontos altos e pontos baixos

Quando, ao fim do dia, vou levar a minha sobrinha à natação, faço um pequeno exercício com ela, eu sentada à frente, no volante, ela atrás com cinto. Não posso ver-lhe as variações na expressão do rosto, só a oiço e, de vez ,uma olhada no retrovisor dá-me o sinal da sua reacção às poucas perguntas que lhe vou fazendo, quase sempre olha para a paisagem de carros e árvores que vai passando, a miúda minha sobrinha é de poucas falas e, não fora este joguito, passaríamos os 20m da viagem em silêncio. Pergunto-lhe assim, despreocupadamente, "Então? Qual foi o ponto alto do teu dia?" Ela não responde logo, amarfanha-se um pouco, noto, vejo-a olhar para o chão, sei que é sinal de uma certa vergonha, que há meses se repete: "Não sei...não tenho ponto alto..." Insisto, e lá vem a resposta " Sair da escola" diz ela e parece aliviada..certo...penso, parto então para a pergunta seguinte: "Ponto baixo?" já sei a resposta e aí vem ela: " Ir para a Escola". "Ir para a Escola" é, por isso, acredito na sua sinceridade, a pior parte do dia da minha sobrinha , é curioso que na idade dela, gostava da escola, mas também não me lembro bem...
Um dia, a resposta da minha sobrinha espantou-me, disse ela: " O meu ponto alto do dia foi o corta mato que fizemos, fiquei em terceiro lugar!" e chegou-se à frente quase encostando a cara à minha...senti-me tolamente contente...pensei, também para mim, esse momento talvez tenha sido o ponto alto do meu dia...tolices...

terça-feira, abril 25, 2006



O meu pai faria hoje, dia 25 de Abril, 73 anos. Queria escrever e escrever sobre ti, sobre as tuas mãos a aparar madeira, a abrir peixes, a sopesar maçãs (as maiores) do mercado. Queria lembrar o teu corpo ao Sol, as braçadas vigorosas na água, o modo gentil como me ensinaste a nadar, sabes que esta paixão que tenho pelo mar é tua, herdei de ti, não pelo mar ao longe mas pela mistura de sal e pele, perder-se nas ondas, deixar-se tomar sem fôlego pelo vai vem das marés, roçar a areia do fundo e voltar à superfície de olhos vermelhos.

Ensinaste-me a honestidade e a franqueza, a fidelidade aos compromissos, a seriedade no trabalho, o respeito pelos outros, a solidão, a dedicação de corpo e alma a um só amor, nesse último ponto, perdoa porque não me parece ter sido capaz mas sempre me deixaste livre para ir, tomar as minhas decisões e eu fui e voltei, voltei sempre, aí perto de vós onde a felicidade era uma coisa simples.

Hoje fazes 73 anos e estamos contigo, sempre estaremos, no dia 25 de Abril, um cravo para ti pai!

domingo, abril 23, 2006

Meco

Meco. Praia, mas o pessoal da minha geração sabe que o Meco não é só uma praia, que nele podem acontecer passes de pura magia! Tchim, tchim!

sábado, abril 22, 2006

Frase

Fotografia Pintex
"Amanhece, não há dúvida, amanhece. É preciso partir, é preciso ficar." Há frases que nos nascem na cabeça, que acordam connosco, altas , seguras, presas por gambiarras de ferro ou equilibradas numa nuvem passageira. Esta do Eugénio, hoje, amanheceu por aqui e quando abri a janela ficou abeirada do parapeito, em risco de tombar entre chuva, mas olhando nos olhos o que os meus olhos olhavam. Curioso como a literatura entra dentro de nós e se aninha, aconchegando-nos por momentos num sentido que não procurámos mas nos apanhou, assim, desprevenidos. Talvez as nossas deambulações , os riscos e rabiscos no caderno do nosso pensamento se arrumem, subitamente, numa frase e, dali, fiquem a observar o mundo com a tranquilidade de estarmos vivos e em soluços e que não poderíamos estar mais vivos sem os desalinhos das contradições.
Deixo a frase lá fora e trago-a comigo porque é essa mesmo a nossa condição: deixar e reter.

segunda-feira, abril 17, 2006

Balanço

Que vamos nós fazer? Que vamos nós dizer? Porque teimamos em magoar quando queremos ter certezas que só habitam na ânsia de sermos outros que não nós mesmos? Quando aceitaremos deixar-nos tomar por outros sem medo de nos perdermos? Porque dizemos amar e fazemos o contrário do amor? Queremos o nosso eu, como se fosse coisa que se tivesse quando é coisa para dar...amor burguês, amor coitado, amor medroso.
Quanta palavra e análise e esforço habita as nossas boas intenções e quanta fagulha de nada as nossas acções. Estar e ser, habitar.Simples.Porque só falamos do amor quando o perdemos ou ainda não o temos? Talvez porque não podemos. Não com as palavras, chegar lá.Longo caminho a percorrer sem que deixar exista. Existe o ser. O que é. Agora. Na sucessão do tempo a ausência não existe porque lá só está o que não temos. Todo este discurso tresanda a frustração.Se estivesse frio batia com os pés no chão para me aquecer. Não quero o que ainda não é, o que nunca chegou a ser, o que quando foi só se pressentiu quando deixou de ser. Corpo, gestos, olhares, aqui, sem promessas, sem discurso de intenções. Puro começo, sempre na eternidade. Recuso o não deu, não pôde ser porque, enfim, a virtualidade da fuga com a chantagem do que poderia ter sido se...
Nesta segunda feira em que, depois de férias nos preparamos para trabalhar, sou mais uma na multidão anónima que luta à sua tosca maneira e no meio do detergente e da translação rápida, por uma paz, paz.Não em promessas, em actos, não em ausência em presença. Assim, em nós, a paz. Não vamos culpar o amor, o outro, a circunstância, nem a nós podemos culpar, nós todos e tu também fazemos o que temos.

sábado, abril 15, 2006

Cristo e Babel



Babel, a mítica torre que Brueguel cheio de metásteses cristãs retrata em ruínas, foi o berço da nossa civilização; nela conta-se que as línguas proliferavam e os homens também como saraivadas de gafanhotos expeliam frases desconexas e assim ficavam atarantados da magia controversa das palavras que devia servir para se entenderem e afinal só os dividia. Cristo veio sem monumentos e sem coroa de rei, pobre e sofredor, quis instaurar a linguagem universal, a do coração, sem mais, como água transparente devia correr entre os homens que já não necessitavam de palavras para se entenderem, a linguagem de Deus, já não a dos homens. Mas de Cristo veio a estirpe dos que iniciaram uma outra linguagem, e destruíram templos. Quando falamos da tradição, do que nos une, não podemos falar só de Cristo. Nesse templo de Babel muitos acreditaram que apesar das línguas e das linguagens de Deus e dos deuses a humana busca de uma linguagem universal não pode ostentar a marca de um poder brasonado e inquestionável. Para além de todas as manifestações históricas diversas o coração nada rejeita e tudo inclui da diversidade, a linguagem do coração não pode ter pretensões hegemónicas ou estamos novamente a falar sem nos entendermos.

quinta-feira, abril 06, 2006

"Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse."
O'Neill
Se...
As gaivotas são pessoas com asas. Daquelas que gostam de peixe e não concordam com a frase "O peixe não puxa carroça". Nas gaivotas podemos ver o traço a preto de um deambular por escarpas, sem vergonha, também sem medo de cair.
Penso que o mundo não está bem feito. Esta coisa de termos de ser pessoas toda a vida é aborrecido. Pessoas com P grande para ajeitar os ombros e cumprimentar respeitosamente. Nós todos a ver toda a gente sem sermos surpreendidos, de vez , com uma metamorfose súbita. De repente, nascem-me umas asas, logo ali quando estava a sair do carro, ou o meu vizinho a descer a escada fica com cabeça de lobo e uiva. Abria-lhe a porta, mas já não tinha de lhe dar os bons dias. Que descanso! Lá ia ele entretido com o seu novo estado. Eu também não subia a escada, não senhor, rumava ao mar em voo picado sobre as chaminés. Num outro mundo talvez, possa ser gaivota ou lobo, neste não. Ninguém pode. Ok. Pessoa. Sim. Que se há-de fazer? Vou ali fazer uma cova e meter-me lá dentro.

quarta-feira, abril 05, 2006

Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

... PARABÉNS SALSO !....