terça-feira, agosto 29, 2006

Ingrina, Agosto
Passeio por esta terra avermelhada a caminho do mar, gastando os olhos na luz dos poentes que são tácteis, quero serenar mas não consigo, nunca conseguirei, por mais poentes e mares e terras que percorra. Sou da mesma natureza da lava, por agora incadescente mas logo pedra e cinza. Percorro sem deter as várias camadas sedimentadas que já foram lava, matéria incadescente. O problema de já termos vivido muito é a evidência sempre presente do tempo, da transitoriedade das coisas, como se cada parcela carregasse a marca do que foi e do que irá ser. Mas saber isto nada adianta à minha ânsia, à dor, à estranheza do sofrimento continuado. Acreditar é uma questão de fé ao princípio, do ardor que corre dentro de nós atraído pela súbita magia das palavras, da fé e do corpo do outro, corremos a abrigar-nos como o lobo ao calor da alcateia. Ficamos. Ali. Sempre.Mas corre dentro de nós um desejo imenso que volteia no infinito e é cada um tão finito, tão maravilhosamente, desgraçadamente finito.

quinta-feira, agosto 24, 2006


De novo, sob o signo de Rimbaud:
" On ne part pas. - Reprenons les chemins d'ici, chargé de mon vice, le vice qui a poussé ses racines de souffrance à mon coté, dès l'âge de raison - qui monte ao ciel, me bat, me renverse, me traîne.
La dernière innocence et la dernière timidité. C'est dit. Ne pas porter au monde mes dégouts et mes trahisons.
Allons! La marche, le fardeau, le désert, l'ennui et la colère."

segunda-feira, agosto 21, 2006

Peixes


São bogas Senhor, são bogas. O pescado ouve sem falar, se falasse diria que numa noite de lua cheia cabe mais sal, mais sal na terra: "Vós sois o sal da terra!"Dizia o Padre António Vieira referindo-se aos peixes. Estava enganado que estes precisaram de levar sal. Mas há certamente uma interrogação no olhar parado do peixe, uma expectativa e uma acusação, diria até uma perplexidade. Lancemos depressa os peixes ao mar! Antes que este mudo julgamento termine e sejamos condenados ao fogo eterno! Outro engano, eles é que foram parar ao fogo. Foi uma pescaria e peras! Pai se me visses agora! Dirias: "Bahhh, bogas nã é peixe!" Eu sei , eu sei, que não é lá muito saboroso mas digo-te com carácter definitivo que não herdei de ti o gosto da pescaria, preferia mesmo passar pela praça.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Significados

Não creio que haja uma realidade, excepto aquela que cabe nos nomes: isto é um computador, aquela é a minha mãe. Nomeamos as coisas e esse nome refere coisas.Mais nada. Mas tudo o que é importante para obter um significado transcende esse uso trivial da linguagem. Quando digo: "às vezes o Sol cola-se ao céu da boca", é de uma imagem que se trata, nela vêm nomes mas o seu significado não pode ser apenas o denotado. Não, nunca tive o Sol colado ao céu da boca. Talvez seja o significado retirado de uma soma de convicções , convicções que pensamos serem as mais justificadas mas que não passam de umas quantas ilusões que nos guiam e nos descodificam as coisas. Volto-me para o exterior, as nuvens amontoadas em pequenos cachos a lezíria, o milheiral, um dia de Agosto. Que me diz isto senão que estou triste? Melhor: Que me diz a tristeza sobre as nuvens empoleirados no céu? Da realidade interior, da exterior, da mistura das duas haverá uma proposição, uma equação possível? Sei que do cruzamento das duas se faz a realidade, mas qual? A minha? E essa que é minha será mesmo minha? Não voltarei aí um dia para ver outras coisas? As convicções não mudam, ou custam a mudar para aqueles que são fixos, como eu, mudam os estados de espírito, mas o significado é também uma onda, como o estado de espírito, volátil.

quarta-feira, agosto 16, 2006

A tentação de perguntar, de fininho, como quem não quer a coisa, que lugar é este? Mas que luz é esta, ou então cruzar as pernas à índio, jogar às pedrinhas, lá vai uma lá vão duas...os lugares são uma permanência de pontos luminosos, uma sequência atabalhoada de emoções.

sábado, agosto 12, 2006

Porto Covo, Ilha do Pessegueiro

O calor faz-nos aproximar da brisa Atlântica, viramos as costas à terra queimada, ao ar irrespirável das cidades onde os níveis de poluição tornam perigoso sair à rua...como estaremos nós daqui a cinquenta anos se não invertermos esta inconsciência colectiva de levar o carro para todo o lado ,de atirar beatas para a estrada, de fazer churrascos na mata? Ouvia os sinos na Igreja mais próxima e pensava nos dias aqui, e na canção do Rui Veloso "Havia um pessegueiro na Ilha, plantado por um vizir de Odemira..." e como é Verão e está calor nada se me fixa na mente, os fogos, a poluição e os vizires deste meu quintal cruzam-se, misturam-se, erguem-se em bicos de pés.