"Penso que me é permitido concluir como um facto estabelecido pela história moderna que toda a gente, ou quase, num conjunto de circunstâncias dadas, faz o que se lhe diz que faça: e, peço desculpa, há poucas probabilidades de ser o leitor a excepção, tal como eu não fui. Se nasceram num país ou numa época em que não só ninguém aparece para matar as vossas mulheres, os vossos filhos, mas em que ninguém aparece também para vos dizer que matem as mulheres e os filhos dos outros, dêem graças a Deus e vão em paz. Mas mantenham presentes no espírito esta ideia: talvez tenham tido mais sorte que eu, mas nem por isso são melhores do que eu. Porque no momento em que tenham a arrogância de pensar sê-lo, aí começa o perigo.
(...)
Sem os Hoss, os Eichmann, os Vychinski, mas também sem os agulheiros ferroviários, os fabricantes de betão, os contabilistas dos ministérios, um Estaline ou um Hitler não passam de um odre inchado de ódio e de terrores impotentes."
Jonathan Littell, Les bienveillantes
Assim fala no prólogo de "As benevolentes" um oficial nazi, homossexual, artista, amante de literatura e de música clássica, assassino e exterminador, a primeira, sexta e sétima qualidade foram ditadas pelas circunstâncias a que teve de obedecer, as outras são as que de si próprio retira de autêntico. Será que a história o pode absolver? Não, é como assassino que deve ser julgado, como o que foi, não no que poderia ter sido. O homem não pode fugir às circunstâncias, se elas são apenas acaso, ou se acontecem porque há um território que as propícia, é outra discussão. Mas é o que nos acontece que nos faz? ou o modo como reagimos ao que nos acontece? De qualquer modo não há homem nenhum sem circunstância e em todos ela é condicionadora mas não determinante. A história também nos dá testemunho de resistentes, mas para além do julgamento, mais inquietante e perturbadora é a dúvida, mas também inútil porque nunca poderemos saber.