segunda-feira, janeiro 30, 2006

Das mãos

Abrir a palma da mão e escorregar pelas linhas. A vida, o amor, o intelecto, a ousadia, o destino, o temor. Recomeçar por baixo e subir lentamente, dos anéis da morte aos anéis de Vénus. Deslizar pelos montes, do frio e sinuoso Saturno até ao guloso Júpiter.Passear no Sol e dar a mão a Mercúrio que caminha rápido com suas asas de tornozelo, a enviar as novas do planeta. Voltar pelas ilhas.Parar na cruz e acreditar nos cruzamentos, nesse pontinho onde te cruzas comigo e segues depois viagem para a Lua, distanciando-te, daqui para o sonho. Vejo-te ir pestanejando.Na Lua não irás ficar muito tempo e quando voltares,bem quando voltares será de pedir a Marte que te proteja pois Vénus vai cirandar com seus dedos de pétala de rosa.Fecho a mão, experimenta, tudo muda quando fechas a mão, é o mundo todo que ali fica encolhido, guardado dos olhares curiosos, mas também, repara, é a mitologia e o destino que se encolhem e fecham os olhos e deixam de ver, adormecem. A mão fechada impõe. Dá um murro na mesa. Sacode essas figurinhas de conto de fadas. Mas não te iludas,mais cedo ou mais tarde vais abrir a mão, e quando abrires elas vão saltar para fora, olha, não tens como evitar, então deixa...sobre a mesa, a tua mão, vira a palma para cima, olha, cresceu, a linha, um novo delta aí mesmo sobre a curva do pescoço, não, estava a dizer...que dizia eu?

sábado, janeiro 28, 2006

natureza

Fotografia de unfocused

Têm estado tardes frias. Ao cimo do monte da oliveira passeio o cão nas tardes frias,a sua respiração de cão corredor sai como fumo estreito. Digo-lhe "anda cá" ele vem, porque se habituou a que lhe dê um pedaço de chocolate doce. Temos isso em comum, eu e o cão, gostamos de doces e precisamos de ser cativados . Olho nas janelas do bairro, das casas que rodeiam este pedaçito de terra ainda selvagem, penso que cada um está entregue à sua vida, às suas preocupações, aos seus desejos e frustrações, não os conheço, mas também tenho quase a certeza que temos isso em comum. Às vezes chamo o cão mas ele não vem, uma cadela aparece na paisagem e o cão já não quer saber do chocolate, corre desvairado para brincar um bocado com a parceira. Ela nem sempre está para aí virada, desencontros...quando assim é, sou eu que tenho de me pôr a correr para os separar antes da zanga fazer sangue. Também temos isso em comum, eu e o cão, corremos quando na paisagem se perfila algo melhor que um pedaço de chocolate, algo com o qual podemos brincar , mostrar quem somos, descobrir quem é o outro e o que tem para nos oferecer. Nestas tardes frias, tenho aprendido muito com o cão e digo "Até logo" aos donos das cadelas que o "desatinam" porque sei que temos isso em comum, ambos percebemos que as leis da natureza são assim e repetem-se em todo o lado.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Lençóis brancos

Poderia confirmar a velha máxima"quem não tem cão caça com gato" , isto quer dizer "Ó pá tu desenrasca" se não pode ser bom que seja "assim assim" e como posso duvidar de "se não podes vencê-los, junta-te a eles"sábia visão dos mecanismos das relações humanas, e não ficaria por aqui visto que"a necessidade faz o engenho" . Posto isto, justificados que estão os nossos golpes de rins gostaria de apontar o dedo ao senso comum do raio dos provérbios. Admirar os que se recusam simplesmente a caçar se não tiverem o "dito cujo", os que "antes quebrar que torcer" e os que têm engenho sem que este implique qualquer necessidade. Aquele engenho porque apetece sem que a utilidade venha conspurcar com seu olho de preguiça mole. Agora por preguiça mole, vem tudo a propósito dos lençóis brancos de algodão. Adoro dormir em lençóis brancos de algodão e ultimamente é só de cor, que me dão está visto, e embora seja um desperdício, diria um galanteio inútil, ir comprar lençóis brancos com tantos lençóis por aqui, não vacilo, nem vou conformar; se são lençóis brancos, pois que sejam, nem que tenha de ficar três dias sem comer!

domingo, janeiro 22, 2006

A propósito: Este 'blog' votou MANUEL ALEGRE !

Raças

Michael Haneke, Caché, 2005

Apesar do comentador made in "Expresso" Francisco Ferreira o renegar, utilizando adjectivos como horroroso, de pacotilha, vazio, este filme galardoado como melhor filme europeu do ano transacto, é inquietante, sólido, magnificamente interpretado. O olhar é neutro, como que a deixar entrever uma câmara fixa que grava, aliás, vai gravando , misto de olhar real e olhar omnipotente situando-se no lugar onde as coisas que, em geral se escondem de qualquer olhar, acontecem. Trata-se do problema das raças, argelinos mais concretamente, e do convívio desse multiculturalismo no meio dos franceses, snobs, pretensamente tolerantes e liberais. Quer queiramos ou não, quer aceitemos com cortesia ou com raiva, as raças estão aí na rua, misturam-se sem nunca se misturarem, vigiam-se, escondem os gritos , as indignidades, os medos.Tentam conviver civilizadamente mas a comunicação social , o mais desbragado chauvinismo , a indiferença cautelosa e a nítida clivagem de classes não nos permitem esquecer, ou seja, fazer de conta que somos todos iguais. Embora evidentemente sejamos todos iguais à luz da humanidade e da lei, o facto é que somos diferentes e essa diferença não se resolve com cortesia e indiferença, com vítimas e carrascos mas, penso eu, com o mais sentido respeito de todos.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Nanã Sousa Dias, Maresias


Às vezes, uma paz, uma tentação que se instala de estar tudo no lugar certo e correr por si como levado por uma força invisível, não acessível, nos seus contornos à consciência. Há sentimentos que nos escapam, e realidades que não conseguimos conceptualizar. Como ver subitamente a fotografia de alguém e desatar a chorar e não saber porquê, ou encher-se de ternura e não saber porquê. Apesar do gosto, apesar da necessidade e mesmo apesar de ser o pensamento, local privilegiado de ser humano e livre,há uma latência em nós , vida, sensibilidade ou emoção a manifestar-se continuamente, ao arrepio do próprio pensamento.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Apolo 7o, 1983
Já não me lembro bem o que fomos fazer às tantas da noite ao centro comercial Apolo 70 no ano da graça de 1983, sei que éramos muitos, por esse tempo era comum andar em bandos ávidos tocando aqui e ali, ora para beber um copo ora para folhear revistas, faziam-se coisas , estava-se , habitavam-se os espaços públicos e a memória guarda atmosferas. Havia um restaurante na cave com um balcão de roda e mesas coladas do lado de fora, pouco iluminado mas intimista,nada de soturno. Beberíamos uma cervejas e uma nota destas dava para uma semana de deambulações. Lisboa era uma cidade boémia e expectante, a transitar, sem saber, para o ritmo incaracterístico da Europa mas ainda traçejada de optimismo e rebeldia. Dessa noite ficou a fotografia e a consciência triste de uma Lisboa que mudou, moldada por espaços de transacção rápida, formatada num consumo indiferenciado e impessoal. Ficou a Carlsberg fresca, a boca da noite aberta, um fio condutor que marca as estações de paragem, ontem.Hoje há demasiada luz nos centros comerciais e cinco euros dá para um pacote de pevides.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Parques e cigarros

Fotografia de Adriana S.Graça
Esta fotografia acompanha o último cigarro.Estou com uma tosse de morte e decidi deixar de fumar, decisão considerada corriqueira e sem interesse algum se considerarmos que todos os fumadores querem deixar de fumar e dos que não fumam só há registos vagos de terem recuperado subitamente de um pesadelo e olharem sorridentes para o futuro. Temo não ser original e até me envergonho um pouco deste alarvismo do fumar não fumar como se não houvesse mais mundo, mais problemas e mais neuroses que esta, 'piquena' e linfática, razoavelmente discreta de fumar compulsivamente. Bem, mas foi tudo para o lixo. Agora andei a remexer no lixo, entre bolo rei de há 15 dias,e beatas velhas -curioso verificar o meu fétiche por lixo, para além de sapatos- lá desencantei o maço.Pergunto para quê isto tudo, ainda me aumenta o ritmo cardíaco e se não morro da doença morro certamente da preocupação da cura. Mas já alertei a cidadela. Mais uma descartável pro monte. Sonho com prados verdes e respirar a fundo, encher o pulmão de ar. Imagine-se!

quarta-feira, janeiro 11, 2006


Encontramos quando procuramos? Encontramos quando não procuramos?Encontramos, vamos encontrar, achamos.Súbita descoberta vamos ao encontro de, sem saber bem de quê, ou sabendo mas sem saber ao certo, num impulso ou deliberadamente,a correr ou passo a passo, como se em cada minúsculo movimento saboreássemos por antecipação o que vamos encontrar, mistura de imaginar com outros sinais de lembrança breve.
Não me deixes alongar mais neste preâmbulo, é verdade que a muito custo se constróiem paraísos e que num instante se desfazem, leva-me contigo até ser isso, isso de que falam os mortais.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Amanhecer

Amanhecer também ao certo com os primeiros raios de Sol, na casa, no mundo, para o mundo.O novo ano veio mas o segredo dos dias nasce inteiro em cada amanhecer. Pensar em grande no Tempo só dói, anos, décadas, séculos, porque é pequenino o nosso tempo, um gesto, um dia, os dias, as utilidades, as esperanças, amanhã,hoje.Oiço falar os homens, os que escrevem, os que agem, dentro das suas palavras está o seu mundo e cada homem é uma ilha salva por momentos na atenção do outro, e não me sacia pensar. Não me sacia pensar. Sacia-me a presença do corpo que desata os nós e abre os braços, as pernas, os olhos, as partes minúsculas do todo que somos, para a eternidade, agora. Voltar ao princípio do beijo, do até breve, reescrever à temperatura do corpo o discurso límpido da vontade. Quero. Vou. Não esqueço. Parte da acção espraia-se nas palavras, nos desejos ditos, voa para longe, encontra os desejos dos outros, outra parte fica retida esperando, linha sinuosa de silêncio, espera e refaz.Entre duas acções amanhecemos, somos istmo, passagem, para onde? Ligamos ilhas.

sábado, janeiro 07, 2006

Literatura

" Viviam juntos desde o primeiro momento, como os gémeos idênticos no útero da mãe. Não era necessário 'travar amizade', como faziam os rapazes da mesma idade, com rituais solenes e ridículos e com uma paixão pretensiosa, tal como o desejo surge entre pessoas de uma forma inconsciente e desfigurada, quando alguém, pela primeira vez, quer separar do mundo o corpo e a alma de outra pessoa, para a possuir de uma maneira exclusiva. É esse o sentido do amor e da amizade. A amizade deles era tão séria e silenciosa, como todos os grandes sentimentos que duram uma vida inteira.E tal como todos os grandes sentimentos,continha também um certo pudor e sentimento de culpa.Uma pessoa não pode apropriar-se impunemente de outra, separando-a das restantes."

Sándor Márai, "As velas ardem até ao fim",pag 29
Quando lemos , andamos um pouco à procura de uma formulação convincente para as nossas intuições . A boa literatura não nos dá só segurança, de que aquilo que sentimos já foi sentido por outros e daí sentirmo-nos menos sós, confere também seriedade e força aos nossos sentimentos, muitas vezes abalados por experiências negativas ou contrárias do que acreditamos.Esta comunhão entre o que lemos e a nossa mais íntima e inconfessável forma de sentir, não muda nada, mas reconforta, apazigua, e isso vale por si sem precisar de mais justificações.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Camille Corot, França, 1796/1875 "Paisagem de tempestade"
Há em mim ternura e medo
árvores em combustão , um jardim de rosas.

domingo, janeiro 01, 2006


2006
Começou o novo ano, novinho em folha! Fiquei com um torcicolo de olhar para cima, para estas luzinhas todas.Adoro fogo de artifício!
Desejo-vos assim um ano NOVO 'and so one' aquelas cantigas, o Murganheira! O champanhe português morno... mas também não interessa nada...esqueci as passas mas também não interessa nada...que Portugal enfrenta novos desafios , pensei de soslaio, nas pessoas que amo também e , cá estamos ! BOAS!
(Agradecida à fotógrafa que fixou assim o momento!)