terça-feira, julho 29, 2008

malabarismo

Admito que somos hoje mais complexos do que éramos, ou melhor, temos uma consciência carregadinha de conceitos e valores que se guerreiam e discutem contribuindo para uma visão mais rica sobre nós próprios, uma visão cheiinha de possibilidades. precisamos de árduo trabalho para ordenar todas essas vontades talvez porque a herança que nos corre nas veias, as várias civilidades, nos tenham obrigado a perspectivar, o que não significa (não deve significar) relativizar. dos gregos alimentamos o cuidado de si, a nostalgia com um passado original e perfeito, o gosto pela vida contemplativa e a visão de uma educação da excelência orientada pelas virtudes. dos judaico/cristãos a necessidade de expiação da culpa, os mecanismos de confissão, a atormentada consciência, dos modernos a confiança no espírito científico, no progresso e na racionalidade das nossas opções. daí que educar hoje tenha qualquer coisa de circense, malabarista, será como manter no ar sem cair várias bolas de diferentes tamanhos e cores, para isso temos de as manter em constante movimento, sem fixar, sem parar, obrigando a uma atenção contínua e focada em diferentes objectos simultaneamente. Basta uma pequena distracção e sentimos logo que o sistema empancou, é preciso voltar e tentar de novo. Pegar nas bolas e pô-las em movimento porque a questão principal parece-me a percepção do movimento, o modo como a proximidade de cada uma destas formas desenha, de forma dinâmica, o esquema sobre o qual nos compreendemos e nos avaliamos.
Imagem: Un autre monde, J.J. Grandville, 1884

sexta-feira, julho 25, 2008

decisões

decisões difíceis são as ponderadas, aquelas cujo desfecho sabe sempre mal. se tivesse escolhido a outra hipótese...ensinaram-nos que devemos escolher, na escolha se faz o verdadeiro e único exercício da liberdade, a razão da escolha pode desenhar-nos enquanto carácter mas há pessoas incapazes de decidir, serão fracas (de fraca vontade) irracionais ou apenas confusas. pode ser tudo isso e Julho, mês de nos abandonarmos ao calor e ao tédio de nada fazer, não é propiciador de conflitos de consciência, mas há alturas em que meter a cabeça na areia e esperar que passe a tempestade confiando na boa vontade dos outros ou da natureza ou do acaso é demasiado covarde, mesmo para alguém com pavor da decisão. Caramba! Trata-se da vida das pessoas, dos outros! Que se lixem! Os que se sacrificam são os tansos! Mas trata-se de justiça, reclamo comigo mesma! Que interessa a justiça se te prejudica responde uma outra voz! E ainda querem reduzir os homens à fisiologia! Não podem! Que vozes são essas a falar dentro de nós?Em qual delas confiar?

terça-feira, julho 22, 2008

tirar o contador

A propósito: alguém sabe como se tira daqui esta coisa do site meter?
é que não acho graça a isto mas não consigo despachá-lo.

transumância

escrevemos, dizemos, falamos. ouvimos dizer, falar, lemos. um cubo mágico de palavras onde a policromia é escassa apesar de se falar sobre tudo, nada há que escape ao discurso, não há zonas de sombra, tudo se diz. cada um pensa na autenticidade mas repete numa mimética exacerbada e entusiasta o que de mil modos já foi dito, falamos do mesmo sem saída. modernos os que assim rodam o cubo mágico à procura de uma verdade, uma essência ou sentido que se esboroa contínua. este que aqui vos trago é mais um simulacro que visa perpetuar o jogo. a essência não se encontra à flor da pele, tão pouco é possível escavar muito, escavemos e na cratera encontramos bracitos de bonecos, cabecitas que perderam os parceiros para a sua roda, perdidos debaixo de camadas de palavras apetecíveis e banais. como ondas de setembro o que tanto discurso deita é lixo, os fragmentos não chegam para o sentido e, pelo contrário na sua despudorada produção apagam-lhe o rasto. dois exemplos nos antípodas da sua natureza mas sempre convocados na sua necessidade de ser ditos: o caso maddie e o amor. somos todos autoridade para emitir opinião e atente-se quão pouco esclarecidos estamos, como se quanto mais opiniões mais dificuldade em ver.
este amontoado de palavras rosna mas também não morde, nem uma beliscadura na superfície reflectora do mundo e, no entanto, as palavras já foram setas e matracas, por elas e com elas já se subiu ao céu e desceu ao inferno. faço de conta que nada disse e continuo a sentir que sim, abafo a racionalidade naquilo que é, uma forma de produção de discurso e retenho um fragmento: transumância, transumância.

domingo, julho 13, 2008

Porto



O Porto de manhã, visto do cais de Gaia. antigo, pesado, sinuoso. casitas estreitas com muitas janelas e comércio no rés-do chão, lançam-se precipitadas para o rio, mil olhos invisíveis nos edifícios enegrecidos. Quedou-me a luz do amanhecer e a do entardecer a modorra fina da chuva, aquela nostalgia lânguida, expectante. será que a cidade reflecte os nossos estados de espírito? como se não houvesse cá dentro e lá fora? estou tentada a pensar que sim.

segunda-feira, julho 07, 2008

Em Tântalo, o suplício.




Tântalo matou o filho e deu-o a comer aos deuses, em vez do habitual manjar de ambrósia e néctar comeram Pélops, comeram mas souberam o que comeram e no dia seguinte, depois de terem jejuado a Água das pedras lançaram o veredicto ao perverso rei da Lídia que tinha ousado desafiá-los. pois seria colocado num poço, sempre que se debruçasse para beber, a água recuaria e sempre que na sua fome tentasse comer os frutos maduros por cima do poço, estes seriam afastados pelo vento. assim se viu Tântalo a morrer de sede à beira da água e de fome à beira da fruta. e assim para a eternidade. o que sentiria Tântalo? tensão, muita tensão, constante tensão, não poderia nunca acostumar-se, resignar-se e renunciar, quando tentasse a água subiria para lhe chegar até ao queixo e os frutos roçar-lhe-iam a testa de modo a não o deixarem em paz. ora também nós aqui, Portugueses sem grandes crimes cometidos, padecemos do mesmo suplício, somos tentados a toda a hora com imagens do paraíso e estamos acorrentados ao magro ordenado e à subida dos preços tal tal tal tal, enfim de tudo. a nossa saída, contrariamente a Tântalo é não termos de estar a eternidade inteira, só uns anitos longos, valha-nos isso, e outra ainda, melhor, endividarmo-nos. lógico.