segunda-feira, outubro 29, 2007

Apocalipse

Os quatro cavaleiros do Apocalipse, Albrecht Durer, 1471/1528


Como D.H Lawrence falava, hoje vivemos na "orgia da mistificação", ou seja, voltámos às bruxas do Apocalipse, aos dragões das sete cabeças. Passo-me a explicar (passo-me). Na Gulbenkian, os mais destacados vultos das ciências, da Filosofia e alguns do jornalismo, tentavam equacionar de forma calma e racional, o declínio da ciência, alguns mesmo vaticinaram a sua total derrocada. A assembleia, pouco dada a devaneios, deixou-se empolgar por exemplos como "Vejam o Concorde, maravilha científica, vejam como hoje está mudo e cheio de teias de aranha, a cura do cancro, a origem do universo, a constituição da mente, tudo fracassos, a ciência chegou ao seu limite". Não pude deixar de me sentir desconfortável, há pouco tempo tinha-me quase convencido o Dawkins com as certezas científicas a destronarem as trevas religiosas de uma vez por todas e com bons argumentos. Entre a descoberta de que Deus morreu e a Ciência também, saí da sala confusa e cheia de medo.Veio-me à memória a frase que me parece melhor traduzir tudo isto "Cristo morreu, Marx também e eu já não me estou a sentir muito bem" Gracias ao autor. Então? Temos apocalipse ou não? Temos fatalismo ou ficamo-nos por aqui a cogitar no Benfica, no preço da gasolina e nos juros? Mau estar. Generalizado. Tempos perigosos estes, o melhor é andar com muita calma, não vá ainda dar-se um Grande Cisma e vamos todos excomungados para os quintos dos infernos sem direito a apelar ao supremo tribunal europeu dos direitos humanos.

quinta-feira, outubro 25, 2007

humores

Não sei bem que escreva, há dias em que as palmadinhas nas costas me enjoam e que nada do que faço me empolga.há dias, só o facto de os haver ressoa a condenação. viver no tempo repetido. fazendo gala no tempo perdido.lentidão propositada. há dias como gansos a grasnar numa caverna escura. se fosse traduzir como condição humana, ria da metáfora, todas o são, as condições, e não adianta dizê-lo.quero acreditar que o pensamento não tem sexo mas dou por mim a considerar que sim, só pode ,dadas as súbitas variações de humor que não são mais que hormonas em deriva, lá para um sítio perpendicular ao juízo, (recusarei sempre considerar a constância de humor coisa a admirar, nada).Sei onde dói, sei. vários sítios. a dor, sendo sempre nova, também é difusa e aí, as hormonas calam-se porque os factos falam mais alto. podia continuar infinitamente alongando razões, subterfúgios e causas porque hoje parece tudo o mesmo, falta de análise, só a análise separa, mas não me dou ao trabalho, outra das dimensões destas dores é que, em geral, dissecá-las é aumentá-las. daí que vou comer. Posso não? Não devia mas posso.Até porque são horas de comer. há dias de comer.e já me estou a sentar nas metáforas novamente. queria dizer outra coisa e digo esta.não deixa de ser confortável dizê-lo. Posso não? Pssst Não posso?

domingo, outubro 21, 2007

Pós qualquer coisa

Sou de uma geração híbrida,vivi a pós-revolução, a geração anterior chamou-lhe revolução e nós repetimos Revolução,por respeito e enlevo para com estas ideias mais sedutoras que ideológicas. Curtimos até ao tutano a liberdade como uma evidência e não como uma conquista. Não me atormenta a má consciência de ter usufruído da revolução que outros fizeram porque de algum modo peguei nas suas palavras e ao repeti-las as esconjurei, nesse gesto estava certa de haver sanado o tributo que lhes devia, mas no fundo, essencialmente falando, prefiro o capitalismo ao comunismo e aplaudo de longe, no conforto do meu sofá os movimentos pela liberdade. Não pertenço a qualquer organização comunitária ou ideológica e vacilo no meio termo entre a admiração pela força religiosa e a lucidez para ter de admitir a farsa que tudo isso ainda representa. Não me movem ideais sociais ou políticos, movem-me afectos, laços, o gosto intranquilo pela dignidade de qualquer pessoa, caso, a caso.Na homenagem ao Adriano Correia de Oliveira e ao Che observo-me a considerá-los ícones vazios que servem para ser vestidos de roupagens românticas mas que, em boa verdade já não comunicam nada, nem um estremecimento. Talvez seja esta a prova que envelheceram estes ideais, ou talvez que nunca amadureceram verdadeiramente dentro de nós.

domingo, outubro 14, 2007

absinto

Degas, Absinto


Bebo por uma taça de cristal um amargo doce álcool, doce veneno,doce veneno. Havia uma frase... as leituras, muitas ao longo do tempo, dão-nos ready made pequenos aforismos dos quais perdemos o autor, mas que traduzem na perfeição diferentes sentimentos, hoje baila-me esta na cabeça: "Amo tanto aquilo que me destrói como o que me assegura a felicidade" Quem o terá dito? Não faço a mínima.Fica a ideia. Ajusta-se.

Aproveito para agradecer à sininho o Prémio blog solidário e, como sempre fico ostra, em termos de nomeações.é que não sei mesmo, embora o nome que me salta é o do legível, ser solidário aqui, c'est lui!

segunda-feira, outubro 08, 2007

Paula Rego


"mulher
cão"
que faz o artista?
expõe
ao olhar do mundo
o que ao olhar
tende
a esconder-se
Impõe
o espectáculo
à dor
à vergonha
ao cansaço

segunda-feira, outubro 01, 2007

Lisboa

Lisboa em 1983, Cais do Sodré, partida dos barcos para Almada.

Deambular por Lisboa, subir a rua do Alecrim, prédios de luxo onde outrora a muralha Fernandina da cidade. Ao cimo havia um cafézito do lado esquerdo e uns alfarrabistas do lado direito. Os prédios antigos emparedados, restaurante de luxo,farmácia e qualquer coisa em vidro e ar impecável cheia de homens de gravata, talvez uma companhia de seguros...a "Flor do Alecrim" desapareceu e o alfarrabista também. Lisboa é hoje mais moderna, mais vidro, mais Hi Tech ou como se diz daqueles lugares muito brancos e arrumados, cheios de linhas perpendiculares. Metro. Portas de abrir e fechar, rápidas. Sinto-me sitiada. Se perco o bilhete tou feita! Pessoas cheias de pressa. Lojas. Carros nas ruas. Pressa. Chego por último, a turba ganha-me em rapidez. Impressão: Lisboa perdeu definitavamente aquele ar provinciano mas acolhedor de cidade pequena. Hoje é uma cidade rápida e pouco humana, mesmo na baixa Chiado onde alguns velhos cafés ainda pontuam. Há qualquer coisa de conformado, de descaracterizado, nos hóteis e restaurantes luxuosos que pontificam. Não me confundo com o espírito saudosista mas gostaria de me surpreender com alguma beleza, algo de inesperado, nada.Lisboa está a sufocar na agressividade dos negócios, dos bancos, dos hóteis, das companhias de seguros, da economia dos meios mecânicos que nos empurram, nos formatam. Perdeu-se o vagar, a espontaneidade, a simpatia. No cinema, ninguém para nos levar ao lugar, nos corredores a apresentação dos filmes entra pelas salas dentro, o filme já começou e ninguém para fechar as portas. Eficiência no gasto de pessoal. Economia. Gastos e lucros. Ai Lisboa!