quinta-feira, novembro 29, 2007

Post Scriptum

Sei que li algures uma carta de despedida de um escritor ou escritora que antes de se suicidar acrescentava em PS Não se esqueçam de ir buscar a roupa à lavandaria ou Não te esqueças de tirar a roupa da máquina. A nota irrisória face à tragédia, impressionou-me. Guardei na memória. Hoje quero recordar o escritor e foi-se. Não sei quem escreveu isto. Fui à Net: Notas de despedida de escritores suicidários.Procurei. A lista nunca mais acabava. Comecei pela Virgínia Wolf , Ingeborg Bachmann, Sílvia Plath, Marina Tsvetaeva , parecia-me coisa de mulher, mas não encontrei vislumbre de tal Post Scriptum.Estará a minha memória enganada? Estarei a fazer confusão? .

PS: Se souberem quem disse isto, deixem um Post Scriptum!
Foto: Joel Ducorroy, Post Scriptum

segunda-feira, novembro 26, 2007

Ser ou não ser fiel

Não, não voltarei a ser fiel, dizem os santos e pecadores. Eles lá sabem.Somos fieis a um clube de futebol. Sim. Sem dúvida. A uma pessoa? Nem por isso. Diz a experiência. É da natureza, os macacos por exemplo, mas o que dizer dos gansos? Nops. O argumento natureza é sempre descabido. A nossa natureza é a cultura, deve haver muito poucos, ou quase nenhum (o incesto?) acto que nos seja naturalmente interdito e isso nada diz sobre o que é melhor ou pior, a natureza não tem essas preocupações, nós sim. Ser infiel não deve ser mau de todo, agora aguentar a infidelidade do outro é muito mau. Mau mesmo, e isso é um dado da experiência tão enraizado em nós que pensar o contrário é desafiar as nossas vivências mais básicas, fazer teoria de rosas de plástico. É a vida, uns comem e outros são comidos (lá está a justificação natural!) pois é a vida, vidinha. E estamos conversados.Independentemente dos factores subjectivos que ferem a nossa sensibilidade, o que seria melhor? Um mundo onde todos fossemos fieis? Ou um mundo onde fossemos todos infieis? Fico a pensar no assunto. Lanço o repto.
Foto de Cindy Sherman

segunda-feira, novembro 19, 2007

sobre sexo

Foto de Joel
" o que interessa na moral sexual é a distinção entre disposições virtuosas e viciosas." " A pessoa virtuosa é aquela que faz a escolha certa de fins" " A pessoa virtuosa deseja a pessoa que também possa amar, que queira e vá retribuir o seu desejo, e com quem possa comprometer-se."diz o Roger Scruton no Guia de Filosofia para pessoas inteligentes.


Tenho plena consciência que este post é chato, que nada há de mais chato que a virtude e que o vício é bem mais empolgante. Também me parece que a virtude é o justo meio no meio e, nesse caso, um bocadinho de vício, um viciozinho aqui e ali até é desejável, pois a santidade, é-nos completamente alheia. Posto isto, assumindo a virtude como a consciência do justo meio, o que tenho a dizer sobre sexo resume-se áquela célebre frase: "do sexo não se fala,faz-se" e acabaria aqui o discurso. mas, embora concordando, em certas circunstâncias com a frase, não a defendo em todas. O discurso sobre sexo parece-me desviado: ou moralista e intolerante ou libertário e vazio. Resolvo-me a defender o sexo como acto onde está presente o sagrado. Sim, o que é fantástico no sexo não é apenas o prazer sensível que dele deriva mas a comunhão (não a 1ª nem a 2ª, uma outra...) com o outro. A abertura a um mistério , uma celebração onde o corpo é o instrumento mas não o fim. O limite da liberdade sexual deve ser o mútuo consentimento e não qualquer regra ou norma exterior a esse consentimento, a liberdade do nosso corpo é absolutamente essencial para a nossa identidade enquanto indivíduos e para o nosso sentido de responsabilidade.

Mas o que fazemos com o nosso corpo, não o fazemos sozinhos,nem o fazemos para além da consciência, o sexo é um acto de consentimento mútuo que implica uma série de expectativas, emoções, desejos, e crenças, isto é, que implica a totalidade do nosso ser e não apenas a líbido e o corpo. Assim, falar de moral sexual tem sentido, neste aspecto de implicar uma atenção, um cuidado que se coloca em qualquer relação com o outro. Isto não quer dizer que deixe de existir liberdade ou que o sexo seja um acto inserido no contexto da constituição de família.Nada. Nada. Quer apenas dizer que não é só uma troca de fluidos, uma necessidade biológica. Nem 8 nem 80. Alguns cientistas chegaram à conclusão que a prática habitual de sexo com alguém, produz uma substância química no cérebro que nos torna dependentes dessa pessoa, fisicamente dependentes. Ora, como interpretar isto? Bem, eu diria que aquilo que aparentemente é apenas um acto de momentâneo desejo, pode ser um acto de comprometimento, portanto, não se admirem aquela coisa de: "sinto tanta falta", "morro de saudades" etc, é química. Como se primariamente os actos culturais e sociais ( o sexo é um acto social e cultural) tivessem na sua génese uma pulsão física. Acredito nisso.



quinta-feira, novembro 15, 2007

devota profissão




Gosto tanto daquele intelectual que só cita nomes que ninguém conhece, e gosto da dificuldade, da profundidade que isso significa. Poderemos nós fazer do intelecto algo tão gracioso e sedutor como a imagem da Binoche? Quem não a conhece? E, "todavia porém" que mistério infinito poderá ainda esconder-se numa imagem, ou bem assim numa palavra, numa frase, num pensamento? Verdadeiro intelectual aquele que ronda como se de mistério se tratasse a mais banal e repetida ideia. Preciosas são as ideias, vulgares os nomes.

segunda-feira, novembro 12, 2007

a atordoar

Continua a surpreender-me o cansaço que sinto ao ver muitas obras de arte, sobretudo arte contemporânea, numa espécie de depósito, o museu, a feira. Esta sensação de saturação não me acontece face à natureza, posso ver muito mar, muita areia, muito céu, muita flor, muito monte e muita erva rasteira mas nunca me canso, como se a natureza tivesse na sua mesmidade uma variedade de pormenores infinita, há na natureza uma beleza tranquila, autêntica, na arte não, a arte moderna é chocante e feia.Uma linguagem que se esgotou. Agora gritam, mas ninguém ouve mesmo, são muitos gritos, diferentes gritos, quero fazer como a minha gata e correr dali para fora.
Aqui no burgo,os objectos têm a força que têm, vamos tratando deles, conservando-os, eles complicam-nos um pouco a liberdade, são só objectos, penso, e bebo uma imperial, os dias são solitários e às vezes não, às vezes não, um súbito calor, uma súbita comunhão. Confesso que me emociono, muitas vezes esqueço-me que sei pensar e são só emoções e atrapalham-se e conflituam e ficam cá dentro a atordoar.