quinta-feira, junho 28, 2007

Ricardo II e D.Maria II

Encenou Nuno Cardoso este Ricardo II no princípio deste Verão, ano da graça de 2007 , Shakespeare escreveu-o há 412 anos. As florestas e os castelos de Inglaterra são campos de futebol, os litigantes pelo poder, jogadores, o trono uma cadeira de praia. Só a linguagem permanece a mesma,coroa de reis, toda metáfora e vento e ousadia, no assobio e no grito, música aos ouvidos, mesmo traduzida.
"REI RICARDO — Dai-me a coroa. Primo, segurai-a. Aqui, primo. Minha mão deste lado; a vossa, no outro. Assemelha-se agora esta coroa de ouro a um poço profundo com dois baldes que em tempo diferente se enchem de água: dança no ar o vazio; o outro, no fundo, cheio de água, é invisível. O de lágrimas cheio, sou eu, que bebo as minhas dores; ascende o vosso: é todo riso e flores!

BOLINGBROKE — Pensei que resignáveis por vontade.

REI RICARDO — Sim, a coroa; não minha saudade. A glória me tirais; mas a tristeza que me é própria, terá sempre realeza."

Nós, hoje habituados à rapidez das imediatas frases e melhor vocacionados para imagens fugazes somos, esta noite, incomodados por palavras que se enternecem por si próprias, frases que se alongam, espreguiçando-se enlevadas pela sua beleza.Trata-se talvez de uma procura de poder que já não é só força mas necessidade de dizer, a tragédia em correria absoluta contra a nossa desatenção.

segunda-feira, junho 25, 2007

BLOGS

A propósito de blogs e porque o Legível teve a amabilidade de me nomear para o blog 7 maravilhas, que é uma corrente como se diz por aqui, e porque já a Salsolakali me tinha nomeado para o Thinking blog e eu não tinha dado seguimento à coisa, por não saber como escolher um blog para isto ou para aquilo, ponho-me a matutar no que me leva a gostar dum blog e a comentá-lo e chego à conclusão que misturam-se nessa selecção vários aspectos, uns mais familiares e outros mais profissionais. Ou seja: há os blogs que gosto pela qualidade mas também pela proximidade e há os blogs que não me sendo familiares gosto apenas pela forma, pela atitude, pela qualidade da escrita.
Assim admiro sobretudo a Ironia, aquela capacidade que alguns blogs têm de nos fazer soltar uma valente gargalhada mesmo nas alturas mais soturnas. Depois admiro a forma da escrita, a capacidade de criar beleza com palavras e imagens. Por último admiro a autenticidade, a liberdade, a franqueza a capacidade de ver com lucidez.
Bom, agora vem a parte difícil. Como escolher? Acho que não sou capaz porque admiro todos os blogs que tenho linkados e ser-me-ia impossível dizer se este é melhor que aquele, são todos muito diferentes e cada um me agrada, cada um esteve presente ou está presente no saxe e porque verdadeiramente me considero um pouco outsider, isto é não faço parte de nenhuma grande família.Bem...esta conversa não interessa a ninguém, resumindo só preciso de dizer se sim nomeio, ou se não, não nomeio...acho que vou pensar mais um bocadinho...
Mas sinto-me lisonjeada caramba! muito! e agradeço aos dois blogs as nomeações! Para ti Legível pá fazes parte do primeiro grupo, ganhas aos pontos na Ironia e para ti Salsolakali que pertences ao grupo da beleza formal de pleno direito ! Tchim Tchim para vocês!

domingo, junho 24, 2007

praias estilo zara

As praias portuguesas estão a perder o viço, aquele doce caos que enfeitava as nossas memórias, as barracas de pau espetado na areia e lona de riscas esvoaçante, os toldos para onde a sombra se projectava para longe e nos obrigava a ficar debaixo do toldo do vizinho, as tascas de cores vivas e letras toscas pintadas à mão são puro passado, coisa de pobre!
Estas preciosidades que davam às praias uma alegria natural e reconfortante foram consideradas terceiro mundistas ( leia-se liberdade do pequeno comerciante). A uniformidade tomou conta da coisa. As praias parecem-se todas umas com as outras, locais de geometria séria,de bom gosto pasteurizado, tudo vidro, madeira polida e letras metálicas com design elaborado...não há espontaneidade nenhuma caramba, é como se o "Joaquim das Conquilhas" desse lugar ao "Paladar Zen", e não é que deu mesmo!? Qualquer dia, por este andar, temos praias com música ambiente e passadeira rolante até ao mar! E, já agora, porque é que não montam um Centro Comercial com cinemas, Zaras e estádios de futebol chamados "Dolce vita" mesmo à beira mar?(o nome português também não serve, um bocado demodé, coitadito!) Assim enquanto damos uns mergulhos podemos fazer umas compritas, e vemos o Ronaldo em tamanho gigante pra animar a braçada!

quarta-feira, junho 20, 2007

secretamente

Secretamente congemino as minhas alegrias e tristezas. Se saudade fosse coisa que matasse...mas não máta. "De todas as manias que tenho uma é gostar de você." diz a Alcione. Ai estas músicas! Que se há-de fazer com vista a recuperar os pedaços espalhados por aí? Se tudo fosse tão fácil como alinhavar umas quantas palavras, estalar os dedos! clic clic
O essencial aninha-se tão pertinho do nosso coração e depois foge, um dia, acometido de qualquer certeza, medo ou inconsequência. Nós , qual Penélope, tecemos fios. Frágeis, mas do barco grego, resta um eco perdido nas falésias, no canto de uma sereia áspera como o estai. Nós os que nos aproximamos pelo lado mais íngreme. Forçoso é pensar , penso , na mais secreta vida, a memória da pele sobrevive, quem não a tem faz figas com o pensamento.

domingo, junho 17, 2007

lady Chatterley

Lady Chatterley, 2006, França, Pascal Ferran
Adaptação para cinema (segunda ou terceira, lembro uma com a Sylvia Kristel) da obra de D.H Lawrence. "O Amante de lady Chatterley". Uma mulher, alta burguesia, casada com um inválido de guerra, sente o tempo passar na sua propriedade inglesa no meio da floresta. Num dos seus passeios solitários avista o guarda caça a lavar-se, o seu corpo replandecente ao sol. A atracção é imediata.Cada dia vai-se aproximando um pouco mais da cabana, não sabe o que quer, deixa-se ir. O filme surpreende, estamos a ver como vai ser, o bruto sensual e a dama insatisfeita. Nada disso. Ambos têm tudo a aprender e tudo para dar. A aprendizagem do amor. Como do desejo cego, absoluto, se evolui lentamente para um amor confiante, um amor libertador. Sem moralismos. Aprender. Sem medo de perder.A obra foi proibida durante muito tempo. Resta sempre perguntar, de que falamos quando falamos de amor. Quais as suas faces? Que verdade? Seja como for, admito haver muitas faces, muitas verdades, mas uma me parece incontornável, embora sempre uma ousadia, ainda hoje uma ousadia: todo o amor nasce do desejo. Não compreendo porquê, mas ao escrever isto sinto o sabor da transgressão e, no entanto, quantas vezes já foi repetido?

sexta-feira, junho 15, 2007

estar por perto

Não há como dizer o que se sente sem recorrer aos termos estafados dentro dos quais cabe um variedade infinita de significados. O "tou bem" tão na moda, resposta à pergunta: "Tás bem?" ou "tristonha" , "angustiada","leve", "pesada", ninguém responde à pergunta com um "Sinto-me alegre" como se o sentir , melhor, a sua presença, fosse da ordem do fardo, como se ele se destacasse pelo peso.Vem-me ao pensamento, peso da alma.A alegria, não se questiona, como se de um estado de transparência, plano e sem contradições se tratasse. Assim é, ou parece ser. De facto, o sentimento, ou sentir, rodeia-se de uma espiritualidade confusa, toda ela luta, transparece em nós como um ensimesmamento, um virar-se para dentro, que motiva nos outros a pergunta. "Como te sentes?" pergunta com um certo tom retórico, visto que só surge quando o outro dá mostras de sofrer , logo, sabemos antes de perguntar. Talvez seja a nossa forma de o abrir, para que deixe de sofrer, ou apenas uma boa intenção, um sinal de que estamos por perto e percebemos. É bom estar por perto. Sim. Na lonjura inquietante que o sofrimento nos impõe, compreendemos que "estar por perto" é a máxima, o possível.

domingo, junho 10, 2007

Há esperança

Paulo Patoleia
Conversou connosco fixando-nos com o olhar muito vivo, tinha 93 anos. Confessou que tinha conhecido o grande amor da sua vida aos 73, depois de dois divórcios. "Passávamos o tempo a passear" "Ele telefonou-me, tinha acabado de ficar viúvo, fomos a uma casa de chá." Perguntámos: "Sexo e coisa tal ... nada, claro!" ela sorriu e disse: "Mas que engano! "Maravilhoso", "Maravilhoso". Não adiantou pormenores, não era preciso, ficámos a ouvi-la toda a tarde.

quinta-feira, junho 07, 2007

camas

My bed de Tracy Emin

Gosto muito de camas, e como em todas as coisas gosto de muitas e variadas camas. Poderia fazer uma biografia a partir das várias camas que tive. De solteira, de um corpo, corpo e meio, casal. De pobre, colchão no chão, de remediada, de pacífica e de "em estado de sítio". Das camas altas, que ao sentar ficamos com os pés bamboleando, com cabeceiras em ferro, ou sem cabeceira tipo japonês, baixas, de modo a rebolar para fora sem partir os costados.Das camas com jornais espalhados, com restos de pequeno almoço, sempre por fazer, às muito aprumadas com uma boneca de plástico sentada (daquelas que andam sozinhas quando lhes pegamos nas mãozitas).

Bom seria de apreciar, a quantidade de coisas que se pode fazer na cama, embora o vulgo logo pense numa só coisa, "todavia porém", lembro-me de uma entrevista da Natália Correia onde dizia que toda a sua actividade literária tinha sido produzida na cama ; parece-me que muitas ideias surgem no limbo, entre o levantar de manhã e o "ainda não" quando o corpo está dormente e a mente voa . Considero mesmo uma estuporada coisa de mentecapto associar a cama à preguiça e a preguiça à falta de empenho ,uma série de valores sebosos para o status. Reinvindico aqui e agora o direito à cama, isto é ... o que quiserem que seja!

segunda-feira, junho 04, 2007

domingo

Este domingo previam-se 30 graus para a capital. Era um dia de calor. A marginal de Algés até Carcavelos cortada, para impôr o peão que por lá marchava, bicicletava e inspirava o asfalto. O mar manso e um ventinho de areia no ar ali mesmo na orla desta nossa costa que não é caparica mas isaltina.que me perdoem, diria para ser fiel que é costa de muitos recursos , não se admirem mas ainda trazem de lá polvos, dos barquitos que, à noite , fazem a pesca do choco , do polvo e da lula porque os outros que cambaleiam pelo empedrado a dar banho à minhoca só sacam alforrecas.Este domingo, era toda a época balnear a despontar e mais uns trocos, a disputa das bandeiras azuis, os suspiros do pessoal que no dia seguinte ia bulir e precisava de não pensar muito nisso, os ecos da confusão contabilística da greve dos trabalhadores, a lembrança dos cuidados a ter com banhos, as contratações futebolísticas , a Madeleine, criança perdida nas pistas e contrapistas de um caso de media em descontrole total e as pratas dos gelados a voarem por cima das nossas cabeças.De modo que, figuras de estilo à parte, urgia a escapadela para sítios mais amenos e viçosos. Túnel do Marquês, obra suprema de arquitectura lusa e ...Feira do Livro.
A Feira este ano obedecia a duas evidências estrondosas: os livros gastronómicos e os infantis. Da disputa taco a taco não sei bem quem ganhou, entre os 50 títulos diferentes de cozinha vegetariana e as mil e uma histórias para a criançada, ficou a imagem de umas bancadas em contraplacado apodrecido para onde subiam os variados "núberes" ( o neologismo é de boa vontade!), muitos enfiando os pés nos buracos e trambolhando, o que fez as mães esquecerem por momentos os sapos, as princesas e as gotas de água. Quanto a mim, aviei-me rápido nos alfarrabistas, uns quantos policiais velhinhos e uma "História do cristianismo" dos anos 60, ainda indecisa na casa das letras com o Murakami e finalmente decidida na Bertrand que vende os livros da "Temas e Debates", lá comprei o "Atiçador de Wittgenstein" (andava há alguns anos atrás mas era caro) a um bom preço, falei com o Gonçalo M Tavares por causa do seu Jerusalém em livro do dia (espero que me emprestes!) e rumei rua abaixo até encontrar uma imperial a entontecer com o crepúsculo.