quinta-feira, julho 28, 2005

Variações sobre os sonhos I



Max Ernst, 1991/1976, Paris
Eu sonho, tu também, nós sonhamos. Qualquer semelhança com o sonho como paradigma perfeito está fora de questão. Trata-se de um facto puro do qual temos algumas recordações, balbuciantes indícios, nada de concreto, um elemento, uma sensação, um movimento. Nele se misturam , julgamos nós, factos vividos e factos imaginados, anseios, medos e coisas corriqueiras. Nada no sonho é perfeito, só é perfeito nessa projecção mental onde reduzimos a vida a um ideal, mas não é desses sonhos que falamos, é dos sonhos que nos assaltam à noite quando dormimos. Há algo que permanece em nós sem sabermos e que se revela quando não queremos saber, justamente com o sono.Coisas e pessoas vêm ao nosso encontro sem as termos chamado.Queremos descortinar o sentido, o que diz, como se o sonho fosse o mensageiro secreto do que perguntamos sem resposta e nos desse, com um sorriso nos lábios, a resposta cifrada. Vá, e agora? O que quer isso dizer?
Comecemos por um elemento que nos surja de forma insistente e constante: o mar? uma cadeira manca? uma ligadura? uns olhos castanhos? um penhasco?

quarta-feira, julho 27, 2005

Tatuagem II

Podemos concordar que o inconsciente até tem bom gosto, mas não neguemos que é trapalhão. Pois a frase que andava a cantarolar é falsa, a verdadeira tem uma subtil mas determinante diferença. Tão subtil ...mas o sentido fica alterado e fortalecido. Ora a frase verdadeira é:

"Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem,
Pra seguir viagem
Quando a noite vem."

Como poderemos esperar alguma coisa de jeito deste inconsciente? O melhor é sempre confirmar, as suas leituras são sempre de viés, mastigadas ,quiça, pelas nossas mais primárias necessidades.

terça-feira, julho 26, 2005

Tatuagens

" Quero ficar no teu corpo feito tatuagem ,que é para me dar coragem, para seguir viagem, quando a noite vem."
Chico Buarque

Tenho andado com esta frase na cabeça.Não sei de onde surgiu, nem como, só sei que estou sempre a cantarolar este verso. Será que Freud tinha razão e temos mesmo um inconsciente que nos impele a ter esta espécie de actos falhados? Há anos que não oiço esta canção. Estranho não é? Curiosa por saber o que se vai seguir, espero que não surja nada do Marco Paulo, tipo: "Eu tenho dois amores" ou do Quim Barreiros "Deixa cheirar..." Só faltava! Tenho que acrescentar que o meu inconsciente, até agora, tem tido bom gosto.

segunda-feira, julho 25, 2005

Techiné



Aqui vai a minha homenagem ao cinema Francês. Difícil escolher mas "Les Voleurs" de 1996 tem um sabor especial.

domingo, julho 24, 2005

Terrorismo

Acalentamos ódios inconfessáveis que ,à força de serem mudos e antigos, já não descortinamos a causa , são como um ruído de fundo, contaminam tudo e, às vezes ,têm às costas cargas de plástico dessas que foram montadas com engenho para tornarem ruidoso esse mudo e covarde tartamudear. No terrorismo não sabemos onde vai explodir a bomba mas sabemos que é na nossa cara, na cara de gente como nós, e que matar não é o fim, é o meio, o fim é ser protagonista de uma guerra inventada quando não se pode nem se sabe ser protagonista de mais nada.Sairá na primeira linha e estará consumado o desígnio, os que morrem é que são anónimos e inocentes, deles nada se sabe, morrem sem ter sabido porquê nem para quê.
Em minúscula, como nota de rodapé, também podemos constatar que há um terrorismo emocional, como se o terrorismo fosse uma forma abrangente de levar a cabo uma e outra guerra que na nossa sociedade pacifista, em larga escala, parece ser inconcebível. Neste terrorismo explode-nos nas mãos a bomba, justamente no momento em que temos as mãos abertas, o autor é sempre aquele em quem mais confiamos e a morte não é rápida mas lenta com sucessivas mas irrevogáveis quedas.
Nota: Os americanos no seu formato Bush também são terroristas.

sexta-feira, julho 22, 2005

Os Barrymore



" Grand Hotel" Edmund Goulding, 1932

Os dois irmãos, Lionel e John, encontram-se no Hotel.O primeiro é um doente terminal, está a chegar ao fim da linha, (é um actor fantástico e a personagem que joga aqui tem tudo a ver com a sua vida, morreu de cirrose em 1942), gasta os últimos cartuxos , o último sopro, nas mulheres (divertindo-as...) e nas charadas dos jornais. Ela, a Joan Crawford (merece um post) é editora, escriturária, não me lembro bem, mas é mulher de trabalho e de resposta curta, o outro é um barão falido que planeia um roubo e há ainda , a Garbo, uma dançarina em crise de carreira. Berlim, a decadência antes da guerra. A intimidade dos que partilham uma falta, um segredo vergonhoso, uma tristeza . O hotel como refúgio. Lá ninguém os conhece, ninguém lhes pode cobrar.

quinta-feira, julho 21, 2005

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Tá bem! Ganhaste! Leva lá a moto! Foi de facto na "Dama de Xangai" que o Orson Welles contracenou com ela! O primeiro milho é sempre para os pardais!

quarta-feira, julho 20, 2005

A culpa

Apesar do Sol, e da lua, do canto das cigarras e de toda essa força apaziguada que está mesmo aí, à nossa frente, sem julgar e sem pedir, nós os homens e mulheres que aos elementos devemos a composição da carne, do sangue, do coração e da mente, não comungamos contudo com os elementos do seu apaziguado júbilo e da sua perfeição. Nós somos guerra e paz, erro e verdade, bem e mal e , só por isso, divididos na essência, julgamos, pedimos, arrependemo-nos. Somos em contradição, e parece não haver nenhuma outra forma de ser senão essa , a que nos obriga a reconhecer perante o outro que errámos, quando erramos, a pedir desculpa , a solicitar do outro o perdão.Porque será tão fácil pedir desculpa quando o acto é involuntário e tão difícil quando não é? Raramente se pede desculpa, excepto por um acidente (exactamente o que não exige desculpas visto que é involuntário) quando damos com o carro das compras nos tornozelos de alguém, quando pisamos, empurramos, tossimos etc. Ora,o que é verdadeiramente redentor e , nesse aspecto, superamos a placidez natural, é quando sentimos a dor do outro como consequência de algo que fizemos e a culpa que sentimos une-nos ao outro na dor e impele-nos a pedir-lhe que nos desculpe, ou no grau amoroso que nos perdoe.

terça-feira, julho 19, 2005

Dúvidas

A noite sincroniza-me. À noite sincronizo,como se percebesse num flash todos os problemas. Atribuo a eficácia da noite ao escuro. Os planetas devem falar uns com os outros, os deuses distraiem-se do seu poder e , sabemos por serviços secretos que, à noite, dormem nossos inimigos; é portanto uma folga. Gozamos a folga como um bom operário, aproveitamos para estar com a família. A minha família são os nós da minha cabeça. De noite ouço-os apertar e sorrio, "Venham daí!" digo com os meus botões e a seguir, desato-os, um a um. Quando fecho os olhos sobre a almofada é toda a Babilónia que foi reduzida a uma fórmula mágica. Digo: É assim. Fecho os olhos e compreendo, esse o meu dom. Mas, vacilo: talvez este dom seja um efeito do vinho branco!Se calhar é o efeito de demasiado...não..recuso-me a aceitar que a embriaguez possa ser um estado lúcido! Pois não vai contra a lógica?? Amanhã pensarei nisso.

segunda-feira, julho 11, 2005

"...vem deitar-te comigo no feno dos romances
para que a manhã não solte o ciúme
e de novo nos obrigue a fugir...
...vem estender-te onde os dedos são aves sobre o peito
esquece os maus momentos a falta de notícias a preguiça
ergue-te e regressa
para olharmos a geada dos astros deslizar nas vidraças
e os pássaros debicarem o outono no sumo das amoras...
...iremos pelos campos
à procura do silente lume das cassiopeias..."

Alberto, Rumor dos fogos, 1983

domingo, julho 10, 2005

mediações e ego

Vivemos na época das mediações e do ego. A escrita é um dos exemplos onde o espírito cordato e democrático se mistura com as mais puras manifestações de umbigos exacerbados e eufóricos, uma mistura que traz, agarrada pelos cabelos, uma incomunicação essencial, coloca-nos assim numa espécie de ilhotas onde a tarefa mais emergente é espreitar de binóculos o que faz o outro da ilhota ao lado, à espera de ver qualquer coisa de picante que nos anime ou estimule, sabendo nós que nunca lhe vamos chegar à fala para discutir seja o que for pois no nosso espírito democrático uma vozinha nos diz: Porque não? Que engraçado! Tem todo o direito! etc
Tudo a propósito da frase que encontrei, por acaso, ao folhear o último livro da Margarida Rebelo Pinto, na Fnac. Começa assim o livro da autora mais lida deste 'piqueno' país: " Eu preciso de um herói".Fiquei imediatamente furiosa. OK, minha, tu precisas de um herói, ora bem, eu preciso de uns dinheiritos para comprar uma casa, de arranjar a canalização, de ensinar o cão a obedecer...de heróis, não muito obrigada , tenho pra troca. A seguir, interroguei-me sobre este eu, quem é este eu senão a Margaridinha com os seus vestidinhos Prada, as suas passeatas de jeep nos montes alentejanos , os seus namorados com escritórios em Lisboa. Este eu, é o eu dela, que interessa isso ao mundo? Que me interessa a mim? E a ti? Precisarás tu de um herói?
A minha costela democrática apazigua a indignação de ver a literatura reduzida a uma comichão no umbigo e responde que é mesmo assim , a diversidade, que há gostos para tudo e cada um tem o seu, e essa parafernália de coisas banais que nada dizem senão que já não sabemos chamar os bois pelos seus nomes e dizer bem alto "Isto é lixo" e o lixo tresanda, suja, deve ser tratado e reciclado e não exibido em praça pública para fazermos uma pausa entre perfumes admitindo que o cheiro do lixo tem o seu toque de extravagância e por isso há que deixá-lo sossegadinho.
O que se passa? Confundiremos nós democracia com lixocracia? Tolerância com falta de valores? Bolas! Lembro-me da questão do Foucault: O que merece ser publicado? O que merece ser visto? Qual a diferença entre um romance do Flaubert e uma lista do Supermercado? Pelos vistos, nenhuma.

sábado, julho 09, 2005

Curioso, o meu voo com os pássaros, circular, entre as nuvens.Nenhum céu é infinito, há sempre pequenos sinais que nos vão guiando, eles dizem-nos, por aqui, por ali não, depois damos conta que ao fim de algum tempo a voar, pensando ter saído da órbita terrena, voltamos ao ponto original, mas já não é o mesmo ponto, ou nós mudámos, ou alteraram-se as referências da paisagem.Um essencial latejar permanece, um ruído de fundo, talvez entre todas as coisas que vemos seja esse ruído que nos faz voltar.