Acho que sou de um velho tempo, um tempo em que Jorge de Sena escrevia:
"É noite, eu sei. Mas como é tanta a noiteque nada resta de humano entre os mortais? Como vivemos e porquê, se as sombras nem sequer se projectam, devoradaspelo restar de coisas insensíveis...Porquê e para quê, se nada somos,se nada mais sonhamos de completoamor que a tudo mova e nos refaça?" (1962)É certo que esse cronológicamente era um tempo que não vivi, o tempo em que a liberdade gritava como sedenta, amarfanhada, mas com um fulgor inaudito, um homem era livre porque se sabia livre e não se lamentava, não pedia desculpa, lutava e desejava um outro mundo, a sua mera presença, a de homem livre, enchia páginas e páginas escondidas, de esperança, de raiva, de resistência inconformada. Não vivi esse tempo mas está dentro de mim esse mesmo ensejo, essa luz. No tempo de agora, vigilante e hipócrita, a liberdade é uma extravagância, é feia, inestética, incomodativa. Um homem quer-se de sucesso, produtivo, funcionário realmente saudável, vigilante na sua aparência, grave e sério. Os poetas perdem-se em intrincadas formas, como se nada mais tivessem para dizer, como se dos gritos houvesse a consciência de que são manifestação de histeria. Os poetas refulgem como couraçados do anonimato, das não vendas, da inexistência, conformados ao estatuto de coisita, para uso supérfluo.
Decididamente não vejo à minha volta assomos de revolta, razoável é a juventude que confunde o ego com a reinvindicação e a falta de educação com a dignidade.
Sei perfeitmente bem que nada disto é politicamente correcto, dou-me até ao desplante de confessar serem as minhas atitudes verdadeiramente mesquinhas pois não deixo de fumar quando o imperativo é fazê-lo, não o farei quando todos o fazem; manifestação de estupidez? Claro! Completa! "Querem-me tributável? " dizia o Pessoa, pois não serei.
Sábado fui ao Teatro, um grupo novo, um tédio antigo, putos aos saltos a macaquearem programas de TV , "Ninguém é mais má que tu" era a preciosidade da peça. Muito alegre e descontraída que "a gente bai ber arte" para descontrair. Estava tão descontraída que se não fosse o respeito para com os meus amigos tinha-me pirado, ia chapinhar para as poças de água. Os teatros estão a fechar. Os que estão abertos fazem macacadas e em Lisboa a marginal é um corropio de bares abertos até ser dia.
Não não tomo drogas, antes tomasse, uma dose de cocaína que me pusesse também aos saltos!A dizer coisas inteligentes , de que vos queria dar um exemplo mas não me lembro de nada. Sorry!
Isto passa, com as orquídeas (a propósito a minha voltou a florir!Lindo!), o vento na cara e as disposições infinitesimais do clima.