segunda-feira, abril 28, 2008

O 25 de abril , a praia e o Saramago

(esta praia ainda está invernosa)
No dia 25 de Abril de 2008 tentei arranjar cravos e não os havia, as floristas queixavam-se...estavam tão caros, pois de caros os símbolos acabam por ficar adiados. queria cravos, para o meu pai. sentimentalidade mas também justiça, o meu pai tinha uma relação de amor com o 25 de Abril, além da minha mãe, de nós, do Benfica, do Algarve ,da pesca... o meu pai era dado a relações de amor, bendito, o 25 de Abril reconciliava-o por um dia com a vida política, contava as velhas histórias, do 1º de Maio, quando tinha corrido à frente dos cacetes da polícia montada e subido um muro tão alto que não sabia como tinha tido força, "com medo da porrada a gente até voava!"dizia.

Ultimamente não era de manifestações, comemorava o 25 de Abril passeando com a minha mãe, se estivesse vivo, com o magnífico dia de calor e Sol, teriam ido até ao mar, essa a enorme vantagem de estar vivo, poder ir até ao mar, sentir a areia fina, o Sol a queimar a pele, a água gélida a subir-nos pelas costas, as ondas a quebrarem a força dos joelhos. Este Atlântico apelava-te à pesca, sei, preferias distância, mas a praia não é coisa mental, tu sabias muito bem, na praia a força mental desvanece, outras forças nos tomam, levam e enrolam.

No mar não pensei na Revolução, já tinha escrito um texto para o jornal da Escola e o meu dever estava cumprido, também falei vagamente aos alunos, mas tinha aquele grão de má consciência, aquela coisa redonda na barriga a dizer: "Fizeste pouco." às vezes gostava que a consciência me deixasse em paz com as minhas paixões, mas ela não se entusiasma, continua insidiosa. Sabemos que nos cabe a tarefa de manter a memória viva, não a memória das manchetes de jornal mas a memória afectiva que mais verdadeiramente perdura, as pessoas e as suas histórias de vida são mais eficazes que manifestações de rua, mas este ano a minha doutrinação ficou-se assim enrolada nas ondas. Acredito que há momentos para tudo.
Ps: A Exposição sobre a vida de Saramago é um exemplo do que deve ser uma exposição, um momento para lembrar aos mais novos o lado mais poético da Revolução.

terça-feira, abril 22, 2008

SARAMAGO


Podemos gostar ou não de Saramago, o homem é tão controverso como a escrita. As suas palavras ditas são pedradas no charco, as suas posições políticas incómodas: optou pela defesa veemente da causa palestiniana quando da sua visita a Jerusalém, escolheu viver em Espanha, permanece comunista ortodoxo quando ninguém, sobretudo os intelectuais permaneceu. Mas isso que o faz controverso é também o que o faz único e imprescindível. O que me orgulha em Saramago é a sua coerência, a sua coragem, a sua liberdade enfim,quando todos encarneiram pela postura céptica ou irónica. Admiro com avidez certas frases, como aquela que abre o livro "O ano da morte de Ricardo Reis", a totalidade da obra gigantesca que nos doou, a pertinência aguda das crónicas que fazia há uns anos para o Diário de Notícias e onde bebi ideias que são marcos na memória (não me esqueço daquela :"o verdadeiro momento do nascimento é aquele em que tomamos consciência de quem somos"). Trabalhou a língua portuguesa, engrandeceu-a , repetiu à exaustão que era a língua mais bela do mundo e, agora,ao ver no público o seu rosto macerado pela doença, eu que sou como ele, uma sentimental e o digo à boca muito pequena, não pude deixar de sofrer por antecipação de orfandade, de pura orfandade.

segunda-feira, abril 14, 2008

a segunda juventude


É assim o cinema, assim a surpreender-nos, a fazer-nos sorrir no escuro à aproximação do plano, à variante da luz, à ousadia da câmara. uma viagem ao outro que nos reflecte, ao outro que poderíamos ter sido e não fomos, ao outro que está aí tão perto e que salta para a frente sempre que nos olhamos no espelho, que zomba de nós sem qualquer escrúpulo, zomba da pequenez da nossa vida, desintegrada, da nossa incompletude no tempo,esse outro que projectamos num não tempo, numa inveja de plenitude e de verdade. a lição do mestre, que encontra também a segunda juventude, redenção pelo poder da imagem dando corpo à sofrida imaginação.
invocando, na sala escura, comungando. pesando o sentido para depois o deixar escapar, para o lugar alto onde voa e permanece à nossa espera.
À tua Coppola e ao GRANDE cinema!

sábado, abril 12, 2008

desastres

os papéis acumulam-se , o pó e a roupa para passar e tenho uns textos para escrever e há alturas que até me esqueço de respirar...estando como estou, sem força para nada, o melhor será culpar a primavera e os arroubos ou as flores, quiça talvez sejam elas e só elas que me virgulizam, entopem e cataleptizam. ou a chuva. os lírios pequeninos e selvagens sentem exactamente o mesmo que eu, coitados.

quarta-feira, abril 09, 2008

um lugar

há um lugar onde vício e virtude se suspendem .esse lugar não conta na equação do deve e do haver.é um lugar obscuro e sem lei, não tem coerência nem pode ser justificado, existe como fora da lei, e além da vontade. é obrigatório que exista senão o mundo é só um absurdo opaco de gestos mecânicos. a nossa única obrigação é guardar-lhe uma fidelidade incondicional e, se o traem, a revolta. incondicional.

segunda-feira, abril 07, 2008


deixas-me reduzida

a sopro

separada da raíz

os sonhos trazem à terra

pedaços de corpos
marcados
por traço grosso
uma linha da traição

sobre as costas
a giz